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Um outro pedacinho de paraíso

“Quem quer passar além do Bojador, Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.”

Resignado, talvez até para não dar parte de fraco a quem afirmava destemidamente estar aterrorizado, lá me meti naquela caixa de metal e vidro.

Mas quando abri a porta, quase ao nível do mar, estava rendido. A cascata que rasgava a falésia, os campos cuidadosamente cultivados, as rochas, os calhaus e depois aquela cor do mar! E ondas!

Levamos os miúdos a conhecer um pouco daquele local paradisíaco. Numa figueira plantada à beira do trilho, apanhamos figos. Deliciosos, suculentos. Claro, os rapazes declinaram a nossa oferta. Também me lembro daquela idade e olhar para os figos como se fossem algo intragável... Ainda aceitaram umas uvas que apanhamos de um pé de vinha perdido. Pérolas!

Estava um dia radiante. Nem uma nuvem no céu. Calor, não insuportável, mas o suficiente para darmos por nós, enfiados naquela pequena piscina natural de água doce da ribeira que cruza a fajã. Fresca, revigorante, protegida da inclemência do sol por vegetação.

Depois lá fomos, dois adultos acompanhados de duas crianças, prestes a descobrirem um tesouro. Caminhamos ao longo do calhau, à procura de um local onde a ondulação não rebentasse com tanta violência, arrebatados pela força do mar, pela grandiosidade da paisagem, pela simplicidade da presença humana. Os miúdos ainda criam estar óptimo para eles. Mas nesse dia, não iriam ao mar. Mesmo nós, não estávamos seguros disso.

As pernas tremiam-me. Não sei se seria de tentar manter o equilíbrio no meio daquele mar tão desordenado, ou de toda a emoção subjacente àquele momento. Até que vi aquela linda parede formar-se, posicionei-me, remei sem me atrever a olhar para trás e de repente, estava a descer uma onda na Rocha do Navio.

Há momentos que valem por muito. Ao regressar, a prancha partiu-se ao embater nas rochas, quase perdi o remo, nadei, nadei, nadei até finalmente conseguir subir aos trambolhões aquele calhau, só para encontrar um sorriso igual ao meu. Não foi só a onda. Foi a magia do local, a brutalidade do mar e da paisagem, o perigo e o abismo, apenas para termos uns segundos de céu.