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Créditos problemáticos da CGD já foram tema na primeira comissão de inquérito

Foto Carlos Manuel Martins/Global Imagens
Foto Carlos Manuel Martins/Global Imagens

Três dos créditos problemáticos identificados pela auditoria da EY à Caixa Geral de Depósitos (CGD) foram já tema de discussão na primeira comissão parlamentar de inquérito à gestão do banco público, que decorreu entre 2016 e 2017.

Os créditos concedidos ao empresário Joe Berardo para aquisição de ações no BCP, à Artlant, para financiamento da fábrica da La Seda em Sines, e para o empreendimento de Vale do Lobo já foram tema na anterior comissão de inquérito à CGD, e foram entretanto identificados pela auditoria da EY como danosos para o banco público.

Sobre a operação de financiamento a Joe Berardo, Luís Campos e Cunha, antigo ministro das Finanças do governo de José Sócrates (PS), afirmou em 05 de janeiro de 2017 que “aceitar as ações como garantia para o financiamento das próprias ações não é a melhor operação que se possa fazer para garantir a solidez da própria operação”.

No entanto, o antigo presidente executivo da CGD Carlos Santos Ferreira desvalorizou o financiamento para aquisição de ações nessa operação.

“Os financiamentos destinados à compra de ações eram legais e são legais. Eram normais na maioria e, só não digo em todas porque não tenho a certeza, das instituições nacionais e estrangeiras. Tenho a profunda convicção de que todos esses financiamentos foram aprovados seguindo os preceitos que estavam estabelecidos”, afirmou.

Carlos Santos Ferreira acrescentou ainda que tinha a “convicção” de que “nenhum” dos financiamentos “tinha garantias inferiores ao crédito”, e a “grande convicção” de que em todas as operações “havia a obrigação de que, caso o valor da garantia diminuísse, o mutuário tinha que repor a sua parte com outros ativos que fossem aceites pela Caixa”.

Em 22 de março de 2017, Armando Vara, ex-administrador do banco público, disse que “ter as ações de uma cotada como colateral de determinado empréstimo era normal. Naquela época era”.

Carlos Santos Ferreira foi presidente da CGD entre agosto de 2005 até janeiro de 2008, tendo depois ido para o BCP onde permaneceu até fevereiro de 2012. Armando Vara, foi administrador da Caixa enquanto Santos Ferreira era presidente executivo, e também transitou para o BCP.

O antigo ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos, em 12 de janeiro de 2017, referiu que só teve conhecimento da concessão de crédito a Joe Berardo depois de a mesma estar feita.

“A operação que refere, tal como qualquer outra, é uma operação de que só tomámos conhecimento depois de ter sido tomada. Foi avaliada, decidida e é da responsabilidade de quem estava na administração na altura. O acionista [o Estado] é confrontado com uma situação que estava tomada e o risco estava assumido”, vincou.

Em 08 de setembro de 2016, foi dado a conhecer que a CCD pôs Joe Berardo em tribunal para executar 2,9 milhões de euros. De acordo com o Diário de Notícias da Madeira, a ação estaria relacionada com o dinheiro emprestado pela CGD ao empresário, e o valor exigido será o da garantia prestada por Berardo.

Relativamente à operação de financiamento à Artlant, para financiamento da fábrica da La Seda, em Sines, também implicada no relatório da EY como uma das operações mais danosas para o banco público, os inquiridos pela primeira comissão de inquérito também rotularam a operação como normal à época.

Carlos Santos Ferreira, ex-presidente executivo da CGD, assinalou que os bancos, à data, tinham capital e liquidez, e que o projeto em causa foi classificado como Projeto de Interesse Nacional (PIN).

“Quero crer para mim que nunca foi concedido um crédito com garantias de valor inferior. Não tive conhecimento de que tal tivesse acontecido, nem quero crer que tal aconteceu”, sublinhou.

Armando Vara, que está preso por tráfico de influência no âmbito do caso Face Oculta, disse que a CGD se envolveu na operação de financiamento “porque acreditava no projeto e no potencial para o país”, assegurando que “aquela decisão [de conceder crédito] era racional senão não tinha sido aprovada”.

Numa resposta ao deputado do CDS-PP João Almeida, o ex-ministro da Juventude e Desporto, condenado por tráfico de influência, apontou para a crise económica que se seguiu e disse que a culpa “foi das circunstâncias que ocorreram”. “É muito fácil saber o resultado depois do jogo”, vincou.

Já Teixeira dos Santos, ministro das Finanças à data da operação, demarcou-se da mesma: “Nunca fiz qualquer determinação à CGD para se envolver em qualquer operação de financiamento. No que me diz respeito, a CGD participou nesses projetos dentro do desenvolvimento do seu negócio e do mandato que tinha”, disse.

Em 28 de julho de 2017, o atual presidente executivo do banco público, Paulo Macedo, disse que a exposição da CGD à Artlant era “zero”, estando as perdas já provisionadas.

Já sobre o financiamento ao empreendimento de Vale do Lobo, Armando Vara foi taxativo durante a comissão parlamentar de inquérito, afirmando na altura acreditar que a CGD ainda ia ganhar dinheiro com o empreendimento.

“Estou seguro de que a CGD não perderá dinheiro com aquele ativo. Os ativos imobiliários, tal como desvalorizaram, agora estão a valorizar. O ‘resort’ teve condições para pagar 100 milhões de euros enquanto as condições eram muito difíceis”, assinalou Vara, em 22 de março de 2017.

“Vai ser vendido no mínimo pelo valor que a CGD lá colocou, mas atrevo-me a pensar que vai ser vendido acima desse valor”, afirmou.

O ex-administrador da CGD disse ainda que à data o financiamento “estava a ser disputado por várias entidades”, e que “as garantias superavam largamente o montante que estava a ser pedido à CGD”.

Em 04 de janeiro de 2018, a CGD confirmou que vendeu 223 milhões de euros em créditos do empreendimento de Vale do Lobo à ECS Capital.

No entanto, no dia 07 de fevereiro deste ano, em audição na Comissão do Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, Paulo Macedo disse que o banco decidiu ficar com os créditos mais problemáticos, e que “a Caixa está determinada a não desistir e a recuperar dinheiro e valores que haja mesmo em situações muito difíceis”.

O parlamento debate hoje um projeto de resolução de CDS-PP, PSD, PS e BE para a constituição de uma comissão eventual de inquérito parlamentar à recapitalização da CGD e à gestão do banco.