Crónicas

O regresso do velho Adamastor

Quando apareceram os novos marinheiros, eufóricos por conquistar a terra prometida, o velho Adamastor foi vergado, vencido pelos inimigos, com a ajuda dos seus próprios erros. Durante anos e anos, usou a mesma estratégia para afastar os intrusos que ousavam navegar as suas águas, até que, um dia, o desgaste foi tanto que, o velho Adamastor incapaz de se reinventar, deixou de ser encarado como uma ameaça e o medo que provocava esfumou-se

Há uma certa tendência para exagerar na fantasia de que tudo corre às mil maravilhas, ou não vivêssemos num país onde a carga fiscal aumentou, onde a insatisfação grassa em todas as classes sociais e onde as greves e outras formas de luta têm sido constantes. Mas, desde que tenhamos os beijinhos e abraços de um presidente e o sorriso carregado com o otimismo inesgotável (que chega a ser irritante) de um primeiro-ministro, parece que está tudo bem neste mundo do faz-de-conta.

Nesta alucinação “happy happy” que perigosamente ameaça o coletivo, há lugar para tudo e dou por mim a pensar que caminhamos, a passos largos, para a estupidificação da sociedade.

Os exemplos, infelizmente, são demasiados. A superficialidade com que se abordam os assuntos é um mal generalizado. A desatenção com que lidamos com esses mesmos assuntos é terreno fértil para o crescimento do tal embrutecimento galopante, indiferente às faixas etárias, condição social, credo ou raça.

Parece que tudo é fácil e é nesse facilitismo que caem os incautos que, por sua vez, espalham as suas versões assentes em dados errados, em números falaciosos, em truques mágicos e fanatismos ideológicos que abundam na espuma dos dias, onde o pensamento e confronto críticos deixaram de ter lugar. E quando uma sociedade deixa de questionar e de colocar em causa aquilo que ouve e vê, então é sinal que baixou os braços, deixando-se ficar alojada nas entranhas da douta ignorância.

Há uma pergunta recorrente que me tem sido feita ao longo dos últimos meses: o que tens contra o candidato do PS? E a resposta, tem sido invariavelmente a mesma: não tenho nada contra a pessoa – que não conheço – mas também não tenho grande coisa a seu favor.

Não gosto de superficialidades. Não aprecio políticos que se apresentam a cargos de tremenda responsabilidade e que se limitam a dizer o óbvio, sem aprofundar, sem demonstrar conhecimentos sérios, sem desenvolver assuntos, sem explicar detalhadamente os passos a dar e em que direção. Recuso entrar na superficialidade e na sedução de um cartaz sorridente, produto de uma genial campanha de marketing. Enquanto cidadã, enquanto eleitora, não posso aceitar que passem atestados de incompetência à sociedade onde estou inserida. Já fomos enganados no passado com palavrinhas mansas, com promessas de outros que ficaram coladas ao tecto, com projeções de um futuro cor-de-rosa que, uma vez alcançado, mostrou ser um presente repleto de desilusões e sem vigor.

Não há cheques em branco. Merecemos mais do que temos. Merecemos mais do que tivemos. Merecemos mais do que simples sorrisos, beijinhos, selfies e otimismos despropositados. Portanto, nada contra o candidato. E muito pouco a favor. Da mesma forma que do outro lado pouco ou nada cativa. Tanto mais agora em que o desespero levou ao ressurgimento do velho Adamastor que já estava mais ou menos adormecido.

“Em política o absurdo não é uma desvantagem”. Atribuem esta frase a Napoleão e encaixa que nem uma luva ao que estamos a assistir localmente. Quando apareceram os novos marinheiros, eufóricos por conquistar a terra prometida, o velho Adamastor foi vergado, vencido pelos inimigos, com a ajuda dos seus próprios erros. Durante anos e anos, usou a mesma estratégia para afastar os intrusos que ousavam navegar as suas águas, até que, um dia, o desgaste foi tanto que, o velho Adamastor incapaz de se reinventar, deixou de ser encarado como uma ameaça e o medo que provocava esfumou-se. Vencido e dobrado, foi ridicularizado nas bandeiras da vitória exibidas pelos novos conquistadores.

Entramos numa nova era, até que os vitoriosos marinheiros, amedrontados pela força e pela modernidade daqueles a quem chamam corsários, perceberam que, afinal, os truques do velho Adamastor faziam falta. Tentaram imitá-lo sem sucesso. Adotaram os seus bramidos que, outrora, provocavam naufrágios, mas, coitados, depressa entenderam que também eles não sabiam bramir...

Com o rabo entre as pernas, imploraram pelo regresso do velho que, envergando um manto de glória esfarrapado pelo inevitável desgaste do tempo, acabou por dar a mão àqueles que o vergaram, na esperança de “que seja mor o dano que o perigo”...