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Questões com eleições dentro

O recente escândalo com o banco do Estado é mais um exemplo de uma democracia eivada de vícios

Com o aproximar dos três atos eleitorais deste ano, impõe-se um olhar crítico ao funcionamento das instituições democráticas junto dos cidadãos. Porque não basta apregoar equilíbrios de contas e défices, índices e taxas de crescimento económico de evidência incompreensível, ou afixar cartazes de encher o olho com obras virtuais, para que nos regozijemos. E mesmo o estafado refrão da devolução de rendimentos às pessoas, mais na retórica do que na substância – veja-se a incapacidade de negociar questões salariais - não disfarça o muito do contexto dos anos da crise que ainda perdura. É verdade que se criou emprego, mas precário, de baixo salário, na sua maior parte, e de onde têm vindo a desaparecer muitos dos direitos conquistados. Repita-se!

Falta habitação cujos custos quer de arrendamento quer de aquisição se tornam inacessíveis aos magros rendimentos dos jovens e dos despejados da renovação urbanística, e no entanto, certo discurso autárquico refuta responsabilidade nesta questão, remetendo a resolução de um problema que é central na apropriação de cidadania – um direito humano básico - para as regras do mercado. Por outro lado, as condições habitacionais de certas zonas suburbanas são uma repetida falha em qualquer programa governativo e a prova da pobreza e exclusão, em si, uma forma de violência. O tugúrio que dá pelo nome de bairro da Jamaica é apenas um exemplo de criminosa indiferença, negligência, discriminação e preconceito que deveria envergonhar responsáveis políticos. E que dizer da falta de resposta ao decrescer demográfico e ao despovoamento e envelhecimento do interior e do nosso norte insular?

Aproximamo-nos do meio século de exercício de poder democrático, legitimamente eleito, às vezes com esmagadoras maiorias absolutas. O que se fez de facto para a erradicação da preocupante pobreza estrutural que transita de pais para filhos? O que se pensa fazer com o empobrecimento de outras camadas da população, a braços com desestruturação familiar, insegurança laboral, envelhecimento, doença, solidão, exaustão e abandono de estruturas familiares tradicionais, sem que do lado do Estado ou da sociedade haja resposta condigna, em qualidade e extensão? As desigualdades estão a crescer e o propalado otimismo do crescimento económico reflete-se pouco no dia-a-dia do cidadão anónimo. Poderá isso sim criar mais um ou dois milionários por ano, para o catálogo da Forbes, ou para as habituais fugas de capitais para os paraísos fiscais...

O recente escândalo com o banco do Estado é mais um exemplo de uma democracia eivada de vícios, onde parece haver regras diferentes consoante o estrato social. Causa revolta ficar a saber que se concedeu empréstimos de milhões que não foram pagos, sem consequências para os devedores, atuação que para o cidadão comum parece mais caso de polícia, e que em nome da ética e da justiça, não deveria ficar impune. Pensemos nos cidadãos que tiveram de entregar a casa ao banco, por não terem podido pagar a acordada prestação! Indigna, pensar nos milhões do orçamento a injetar agora na banca, para colmatar negócios ruinosos, verbas que tanta falta fazem em áreas tão carenciadas...

As fracturas profundas entre mais e menos, as intransigências, ou unilateralismos não se resolvem com exuberâncias retóricas. São antes a seiva do populismo. Discuta-se com alma a realidade circundante, o lugar do outro, cada vez mais diverso e complexo antes de começar a manipular a escassa credulidade do cidadão. Em nome do futuro da democracia.