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Nós e os pobres e a “cultura da pobreza”

Lamento a interrupção do trabalho do Observatório sobre a pobreza e a exclusão social

“Tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber” (MT 25:35). Peçamos hoje a graça de compaixão e a capacidade de cuidar da pobreza dos nossos irmãos e irmãs.”

Papa Francisco

Celebra-se no próximo dia 17 de Novembro o Dia Mundial do Pobre e não é só lembrança mas sobretudo convicção urgente a uma conversão do coração, um novo estilo de vida, e uma vontade política maior, para que a diminuição dos níveis de pobreza e desigualdade, por cá e pelo mundo inteiro, não se abordem como joguetes ou lavagem de todo o tipo de sentimento de culpa, mas como incondicional direito-dever e amor ao próximo. Neste sentido, é compromisso de todos nós não ser panaceia para as necessidades do momento, mas retirar efectivamente da pobreza as pessoas que nos cercam porque a prática da caridade não é apenas uma acção, é missão.

A pobreza não pode ser vista como era há décadas. Por um lado, ser pobre hoje não significa exclusivamente ter recursos financeiros insuficientes. A questão social não é apenas estar acima ou abaixo do limiar de subsistência. Significa, também, suportar outras vulnerabilidades relacionadas com a solidão, a desconsideração, a escassez de qualificações, a discriminação geracional e outras formas de exclusão. Estas novas expressões de empobrecimento manifestam-se também pela via do desemprego de longa duração e pelas ameaças de precariedade social e familiar que, mais ou menos intensamente, pairam sobre estratos médios da população, e que crescentemente, se vem juntando à pobreza geracional e à pobreza persistente. Ser pobre é, também, estar fora ou dentro da malha social. Por isso, um problema importante da chamada “cultura da pobreza” é o de não participação e da não integração, motivadas por razões educacionais, pela rutura urbanística, pela inactividade laboral, pelo aparecimento de novas doenças, pela omissão ou diluição das responsabilidades familiares e geracionais. Em suma e segundo o Professor Bagão Félix, a pobreza é, cada vez mais e sobretudo, uma ausência de escolhas e oportunidades.

Nas últimas décadas o combate à pobreza e à exclusão social entrou na agenda política das instâncias internacionais. É disso expoente o pacto assinado por 189 países na Cimeira do Milénio da ONU, em Setembro de 2001. Nele se fixam objectivos e metas que visavam uma redução significativa da pobreza no mundo até 2015. Infelizmente estas metas não foram cumpridas.

Também no seio das instâncias comunitárias, é visível a preocupação com a prevenção da pobreza e da exclusão social, sendo de destacar, desde a década de oitenta, os recursos consagrados ao estudo destes fenómenos no espaço comunitário bem como ao desenvolvimento de projectos específicos de luta contra a pobreza e à troca de experiências e boas práticas entre os países membros.

Portugal tem integrado esses programas e beneficiado dos seus resultados, ainda que, nem sempre, de maneira continuada e com efeitos estruturantes nas demais políticas públicas.

Aproveito esta oportunidade para lamentar a interrupção do trabalho do Observatório sobre a pobreza e a exclusão social, de que fiz parte, bem como alterações na política do rendimento mínimo e em geral, a inconsistência da monotorização e avaliação permanente.

Contudo, tanto nos países menos desenvolvidos, como nas economias mais prósperas, pobreza e exclusão social não cessam de crescer e assumir contornos cada vez mais preocupantes em extensão, intensidade e severidade. Por exemplo, no que se refere ao nosso País, não só continua a existir uma percentagem elevada da população em situação de pobreza e exclusão social, como estas ameacem, permanentemente, grupos sociais até agora ao abrigo dessa situação. É o caso dos desempregados de longa duração ou dos trabalhadores com empregos precários e com baixos salários. Por outro lado, a pobreza infantil tem-se agravado, por efeito conjugado de pobreza material das famílias, desestruturação familiar e ou falta de disponibilidade dos pais para cuidar dos seus filhos pequenos, e não integração dos filhos da população imigrada e sua concentração em bairros de habitat degradado a par de uma incapacidade notória das escolas ou dos serviços de protecção a menores para lidarem com estas novas problemáticas sociais.

A pobreza grossa, também, de modo particular, entre a população idosa com baixas pensões, mormente quando ocorrem encargos mais elevados com a saúde e ou situações de isolamento, sobretudo nos grandes centros urbanos.

Entre grupos mais vulneráveis à pobreza, estão ainda os imigrantes de baixas qualificações, as vítimas da dependência do álcool ou da droga, os deficientes e as mulheres sozinhas com filhos a cargo.

Há dias saíram os últimos dados sobre a pobreza em Portugal. Houve, é certo, uma melhoria em relação a dados anteriores, tendo, designadamente, a taxa de pobreza relativa diminuído para 17,3% de população activa, cerca de 1,8 milhões de pessoas. Neste domínio, dois aspectos são mais significativos: o primeiro refere-se à importância do Estado Social, pois que sem pensões, subsídios e abonos sociais a pobreza não ficaria pelos 17,3%, antes alcançaria quase metade da população (43,7%). O segundo relaciona-se com a persistente fraqueza da economia, que não é capaz só por si e pela distribuição de rendimentos (designadamente de salários), diminuir o fosso de condições existente. É quase impossível não ficar arrepiado com a realidade de um país onde duas em cada dez pessoas são pobres e, se não fossem as transferências sociais, quatro em cada dez estariam em situação de pobreza.

Ouvimos recorrentemente promessas sobre não deixar ninguém para trás, como a prioridade que deve ser a resposta ao flagelo da pobreza e da existência das agendas nacionais e europeias para dar uma saída a este problema gigante. Só que entre o que se diz e o que se faz vai uma distância enorme e, pelo caminho, as desigualdades fazem a sua caminhada e a pobreza mantêm-se instalada.

A situação da Madeira neste domínio continua muito difícil, sendo uma das regiões mais pobres do País e só ultrapassada neste domínio pelos Açores.

Todos devemos sentir a insubstituível responsabilidade de contribuir para a diminuição da pobreza e dos pobres.

Por isso, lembrar o que disse Francisco, na homilia da Missa que encerrou o Sínodo dos Bispos, no passado domingo, 27 de Outubro em que elogiou e agradeceu a todos os participantes, em especial ao facto de terem tido a oportunidade de escutar “as vozes dos pobres e reflectir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórias”. No entanto, precisamente nesta situação, muitos nos testemunhavam que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a, de mãos abertas como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser guardada, confiando em Deus”, frisou.

Na oração do Angelus, o Papa voltou a falar do tema, dizendo que “mais tarde pode ser tarde de mais” O grito dos pobres, bem como o da terra, chega-nos da Amazónia”.

Ouvimos frequentemente a frase “mais tarde é tarde de mais” e isso não pode continuar a ser apenas um “slogan” manifestou o Papa.