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Saída do Reino Unido da UE ofereceu um novo léxico aos europeus

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A saída do Reino Unido da União Europeia acrescentou, ou recuperou, para o léxico dos cidadãos europeus palavras ou expressões que se banalizaram nos últimos meses, como ‘Brexit’, Acordo de Saída ou período de transição.

A 19 dias da data prevista para a saída do Reino Unido do bloco comunitário, e com as negociações entre Bruxelas e Londres num impasse, este é o dicionário simplificado do ‘Brexit’, que percorre as expressões mais comummente utilizadas pelos protagonistas deste processo.

Brexit

Contração de “British” (britânico) e “exit” (saída), esta palavra designa a saída do Reino Unido da União Europeia, uma decisão que resultou de um referendo, realizado em 23 de junho de 2016.

O referendo foi convocado pelo então primeiro-ministro David Cameron para tentar calar as críticas dos eurocéticos, mas saldou-se numa inesperada vitória do ‘Brexit’, com 51,9% dos eleitores britânicos a votarem pela saída do bloco comunitário.

Artigo 50.º

Consagrado em 13 de dezembro de 2007 no Tratado de Lisboa, este artigo estabelece que “qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar-se da União”, devendo simplesmente notificar o Conselho Europeu da sua intenção.

Uma vez ativado, o Artigo 50.º prevê um período de dois anos de negociações para a saída daquele país do bloco comunitário, “a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado-Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo”.

Primeiro país a juntar-se aos fundadores do projeto europeu, o Reino Unido será também o primeiro Estado-membro a abandonar a UE, em 29 de março de 2019, precisamente dois anos depois de o Artigo 50.º ter sido formalmente ativado por Londres.

Se Londres solicitar uma extensão deste artigo, e esta for além de dois meses, tal significa que o Reino Unido afinal participará nas eleições europeias, que se realizam este ano entre 23 e 26 de maio.

Essa possibilidade está, todavia, prevista numa cláusula anexa ao documento sobre a futura composição do Parlamento Europeu pós-’Brexit’, adotado em junho de 2018 -- e que foi redigido pelo eurodeputado português Pedro Silva Pereira (PS), juntamente com a deputada e antiga comissária polaca Danuta Hubner -, que determina que a nova arquitetura da assembleia, designadamente a redução do número de eurodeputados -- só entra em vigor quando o ‘Brexit’ for juridicamente efetivo.

Acordo de Saída

O Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia, apresentado em 14 de novembro, é o resultado do entendimento alcançado pelas equipas negociadoras da Comissão Europeia e do Reino Unido, na sequência da ativação no artigo 50.º do Tratado de Lisboa.

O Acordo, de 585 páginas, 185 artigos e três protocolos, estabelece os termos da saída do Reino Unido da UE para que se faça de forma ordenada e oferece um quadro jurídico quando os Tratados e a legislação da UE deixarem de se aplicar ao Reino Unido.

Endossado pelos chefes de Estado e de Governo dos 27 num Conselho Europeu extraordinário em 25 de novembro, o texto foi ‘chumbado’ pela Câmara dos Comuns em 15 de janeiro, com 432 deputados a votar contra o Acordo e 202 a favor.

A primeira-ministra Theresa May, que já tinha adiado a primeira votação, prevista para 11 de dezembro de 2018, para escapar a uma derrota, não conseguiu convencer os parlamentares britânicos, inclusive 118 deputados do seu próprio partido, a ratificar o texto, sobretudo por ‘culpa’ do ‘backstop’ previsto para a ilha da Irlanda.

A precisamente dois meses da data agendada para a saída do Reino Unido do bloco comunitário, o parlamento britânico aprovou uma proposta que preconiza a substituição daquele mecanismo por “disposições alternativas”, com vista à ratificação do Acordo de Saída pela Câmara dos Comuns, e mandatou May a renegociar o ‘backstop’ com Bruxelas.

Quer as instituições europeias, quer os líderes dos 27 rejeitam reabrir o Acordo de Saída, que descrevem como “o melhor e único possível”, e assim proporcionar as “garantias juridicamente vinculativas” reclamadas por Londres.

Com os dias a passar, “nenhuma solução foi identificada” para resolver o impasse do ‘Brexit’, admitiu em 06 de março o porta-voz da Comissão Europeia, após a conclusão de uma nova ronda de difíceis negociações entre Bruxelas e Londres.

Declaração política

Ao Acordo de Saída do Reino Unido da UE será anexada a declaração política da relação futura entre as partes. Este texto, que não tem caráter vinculativo e que orientará as negociações durante o período de transição, estabelece parâmetros para “uma parceria ambiciosa, ampla, profunda e flexível”.

A declaração política revela que a UE a 27 e Londres concordaram desenvolver uma parceria económica “ambiciosa, vasta e equilibrada”, que compreenda uma zona de comércio livre, sustentada por cláusulas que garantam condições equitativas para “uma concorrência aberta e leal”, e na qual não existam “tarifas, taxas ou restrições quantitativas”.

No deal

A expressão descreve aquele que, quer para Londres, quer para Bruxelas, seria o pior dos cenários: uma saída abrupta, ou “caótica”, como prefere dizer o primeiro-ministro, António Costa, do Reino Unido do bloco comunitário.

Caso a Câmara dos Comuns não ratifique o Acordo de Saída e o Governo britânico não solicite a extensão do artigo 50.º, a partir das 23:00 horas (em Lisboa e Londres, mais uma em Bruxelas) de 29 de março o Reino Unido passaria a ser um país terceiro, ligado à UE apenas por tratados internacionais.

Na prática, significaria que, de um momento para o outro, a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas seria suprimida, com os impactos daí decorrentes para os cidadãos das duas partes e para as trocas comerciais, e que seria restabelecida uma fronteira física na ilha da Irlanda.

Para acautelar o cenário de ‘no deal’ (ou não acordo), a Comissão Europeia e os Estados-membros delinearam planos de contingência para mitigar o impacto da saída desordenada do Reino Unido.

Período de transição

Inscrito no Acordo de Saída, o período de transição é aquele que se segue à saída efetiva do Reino Unido da União Europeia, agendada 29 de março, e que se prolonga até 31 de dezembro de 2020.

Esta última data corresponde ao prazo do orçamento plurianual da UE (2014-2020) e pode ser prorrogada uma vez, por um período limitado e por acordo conjunto.

Durante este período, que só entrará em vigor se o parlamento britânico ratificar o Acordo de Saída, a UE tratará o Reino Unido como se fosse um Estado-Membro, permitindo às instituições públicas, às empresas e aos cidadãos adaptarem-se à retirada do Reino Unido e às duas partes negociarem futuros acordos.

Assim, o Reino Unido continuará a ser membro do mercado único e a livre circulação de bens, assim como de pessoas, será mantida. Os cidadãos europeus que se instalem no Reino Unido durante este período terão os mesmos direitos do que aqueles que chegaram àquele país antes do ‘Brexit’.

Os britânicos terão de aplicar o acervo legislativo comunitário atual, assim como as leis que foram adotadas durante o período de transição, embora não tenham assento nas instituições europeias, nem possam participar na elaboração das mesmas.

Backstop

O acordo do ‘Brexit’ inclui um mecanismo de salvaguarda, comummente conhecido como ‘backstop’, que pretende evitar o regresso de uma fronteira física entre a República da Irlanda, Estado-membro da UE, e a província britânica da Irlanda do Norte, em respeito pelo Acordo de Sexta-Feira Santa, assinado em 1998 para colocar um ponto final a três décadas de confrontos sangrentos entre unionistas e independentistas.

O ‘backstop’ consiste na criação de “um espaço aduaneiro único” entre a UE e o Reino Unido, no qual as mercadorias britânicas teriam “um acesso sem taxas e sem quotas ao mercado dos 27” e que garantiria que a Irlanda do Norte se manteria alinhada com as normas do mercado único “essenciais para evitar uma fronteira rígida”.

Esta solução de salvaguarda só seria ativada caso a parceria futura entre Bruxelas e Londres não ficasse fechada antes do final do período de transição, que termina a 31 de dezembro de 2020.

A qualquer momento após o final do período de transição, a UE ou o Reino Unido podem considerar que o mecanismo já não é necessário, mas a decisão terá que ser tomada em conjunto.

O ‘backstop’ é contestado pelos parlamentares britânicos que temem que este mecanismo deixe o país indefinidamente numa união aduaneira, reclamam que Londres possa ‘abandonar’ unilateralmente esta solução e mandataram May a substituí-lo por “disposições alternativas”.

União aduaneira

O mercado único, que desde 1986 engloba todos os Estados-membros, assenta em quatro liberdades: livre circulação de bens, de serviços, de capitais e de pessoas. Neste contexto, a união aduaneira garante a ausência de taxas aduaneiras entre os seus Estados-membros, assim como uma tarifa aduaneira comum nas fronteiras externas da UE.

No momento em que deixar definitivamente a UE, seja em 29 de março, sem acordo, ou no final do período de transição, o Reino Unido deixará também o mercado único. Contudo, se o ‘backstop’ for ativado, aquele país manterá o acesso a um “espaço aduaneiro único” com a UE, o que permitirá a livre circulação de bens, mas terá de aplicar às suas fronteiras as tarifas aduaneiras europeias para países terceiros, com os quais também não poderá assinar acordos comerciais bilaterais.

Factura

Factura é o termo comummente usado para referir “a conta” que o Reino Unido terá de pagar à UE após a sua saída. A compensação financeira estipulada no Acordo de Saída garante que o Reino Unido honra as obrigações financeiras assumidas enquanto foi membro da União.

O texto não fornece números para a factura, uma vez que alguns programas nos quais o Reino Unido participa não estarão concluídos na data do ‘Brexit’, mas um método de cálculo. O governo britânico estima este valor entre 35 e 39 mil milhões de libras (40 a 45 mil milhões de euros).

Se o período de transição, que se sobrepõe ao próximo orçamento plurianual da UE (2021-2027), for prolongado, o Reino Unido será tratado como um país terceiro na sua participação nos programas europeus.