Madeira

Baleias e golfinhos à vista despertam novas questões

Em 358 viagens a bordo do Lobo Marinho os observadores registaram quase 700 avistamentos na linha entre Madeira e Porto Santo. O protocolo entre o Grupo Sousa e a ARDITI foi renovado por mais um ano com desejo de ser alargado

A assinatura do protocolo decorreu a bordo do Lobo Marinho.
A assinatura do protocolo decorreu a bordo do Lobo Marinho.

Surpreenderam os resultados do estudo sobre cetáceos realizado com a ajuda do protocolo entre a Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação (ARDITI) e o Grupo Sousa/ Porto Santo Line, no âmbito do projecto CETUS-Madeira. O acordo permitiu que equipas viajassem a bordo do navio Lobo Marinho entre a Madeira e o Porto Santo na ponte do barco, recolhendo dados dessas viagens em termos de golfinhos e baleias. O resultado de dois anos de trabalho foram 358 viagens realizadas e um total de 698 avistamentos. Ao início desta tarde, na renovação do acordo que assegura a continuação desta parceria, os dois lados propuseram ir mais longe: a ARDITI desafiou a empresa para a colocação de sensores a fim de registar leituras da superfície do oceano; a Porto Santo Line convidou os investigadores a investir em palestras no Lobo Marinho sobre cetáceos para o público infanto-juvenil. A segunda foi prontamente aceite; a primeira contou com a abertura para ser analisada.

O projecto CETUS serviu de base à tese de mestrado em Biologia Marinha e Conservação de Patrícia Ferreira de Carvalho, que apresentou os números do seu estudo. O número de avistamentos de baleias e golfinhos superou as expectativas, confessou, tendo entre Julho de 2016 e Julho de 2018 sido registados quase 700 de um indivíduo ou de um grupo de animais. Em 72.34% os voluntários viram cetáceos na viagem entre as duas ilhas e nos avistamentos foram identificadas 11 espécies de cinco famílias. As espécies mais vistas foram o golfinho pintado, com 154 avistamentos; o golfinho-roaz com 117; o golfinho comum com 80; a baleia piloto com 37; e o cachalote com 27.

Os cetáceos são espécies muito vulneráveis, com vidas longas e reprodução lenta. Há pouca informação sobre eles, disse a autora da tese. Além disso, “os métodos de conservação e protecção muitas vezes são inexistentes ou são mal aplicados porque sabemos muito pouco”, lamentou.

O estudo permitiu verificar que as diferentes espécies distribuem-se de forma diferenciada ao longo do percurso que liga a Madeira e o Porto Santo e são mais comuns em determinadas alturas do ano, o que mais do que uma conclusão, despertou várias novas questões e por isso os resultados são encarados como princípios para novas incursões na área da investigação e monitorização neste linha de ligação entre as ilhas.

“Há espécies que vêm cá ou no Verão ou no Inverno e conseguimos perceber que há zonas específicas onde cada espécie gosta de ficar. Falta-nos perceber o porquê. Mas isso será o passo seguinte”. para já conseguiram concluir que existe muita distribuição de cetáceos e muita diversidade nesta zona até ao Porto Santo, revelou Patrícia Ferreira Carvalho.

Foram dois anos de amostragem, levantamento realizado por observadores que responderam ao apelo lançado pelo Observatório Oceanográfico da Madeira e colaboraram realizando a viagem entre as ilhas no exterior do barco à procura de cetáceos. A autora da tese confessa que esperavam menos, não porque tivessem estudos anteriores de referência, mas porque a distância é relativamente curta entre a Madeira e o Porto Santo.

O projecto deverá continuar. O estudo até agora centrou-se na distribuição espacial e temporal. O passo seguinte será relacionar o porquê de os animais estarem num determinado sítio, o que pode passar pela proximidade à costa ou pela produtividade do sítio, entre outras variáveis que podem justificar a preferência. “Se tivermos uma investigação a longo termo é muito melhor para percebermos se há relações entre as profundidades, entre as temperaturas das águas. E é importante termos um estudo de longo termo para conseguirmos conciliar esses dados”, defendeu.

Ana Dinis orientou a tese, e está ligada também ao estudo que teve início há quatro anos, facilitado pelo protocolo com a Porto Santo Line, que faculta o Navio Lobo Marinho para funcionar como plataforma de oportunidade, ou seja para ser usados para recolha de dados em águas abertas. O projecto começou com uma primeira tese, continuou depois com esta nova e deverá continuar com o novo protocolo há pouco assinado. “Agora estamos numa fase de modelar esses avistamentos com as variáveis ambientais”, revelou.

A investigadora reconhece que seria interessante alargar o estudo a todo o mar da Madeira através de plataformas de oportunidade, mas não há outras a viajar com esta intensidade. “Temos que aproveitar e bem esta colaboração. Já que navio vai lá, nós colocamos ao navio a bordo e retiramos informação que necessitamos”.

A grande maioria dos observadores são estudantes em finais de licenciatura ou de mestrado que procuram ganhar experiência no mar e treino na identificação de espécies. 99% são estrangeiros, contou Ana Dinis.

Esta foi a 4.ª renovação do protocolo. O desejo desejo do Observatório Oceanográfico da Madeira, que integra a ARDITI, é que continue enquanto for possível. É uma mais-valia, diz a investigadora, em termos de recolha de dados e é uma forma de monitorizar o mar, nomeadamente possíveis abalroamentos.

A ausência de abalroamentos de animais por parte dos barcos na Madeira é uma nota que foi destacada na cerimónia, isto apesar do muito tráfico marítimo nas águas da Região. A ausência de números negros é justificada pela baixa velocidade a que circulam a embarcações, incluindo o Lobo Marinho, e que constitui um bom exemplo no contributo para a preservação dos cetáceos.

Pedro Frazão, administrador do Grupo Sousa, disse que hoje foi um dia especial, porque o protocolo ao abrigo do CETUS revelou resultados concretos sobre essas observações. “Congratulamo-nos desde logo pela oportunidade que é deste navio, que presta um serviço público no âmbito da concessão que tem para o transporte de pessoas e bens entre as ilhas da Madeira e do Porto Santo poder acolher também esta iniciativa que é de interesse público, que tem que ver com investigação científica do mar que nos rodeia”.

Pedro Frazão comprometeu-se com a renovação também em 2020 do protocolo, esperando no próximo ano que o documento possa incluir também a formação para o público mais jovem.