Atenção e escuta, os dons que decidem o futuro
Num tempo em constante convulsão, a atenção de cada um de nós tornou-se o ativo mais disputado. Herbert Simon, economista e prémio Nobel da Economia, defendia que, em um mundo rico em informações, a verdadeira escassez é a atenção dos seus destinatários.
Pese o maior acesso à informação, corre-se o risco de ficarmos aquém do que verdadeiramente molda e constrói a nossa sociedade. Efetivamente, assiste-se a uma gritante falta de reflexão sobre o que acontece mesmo ao nosso redor, na nossa cidade, e desprezamos, vezes demais, aprofundar a influência das decisões e planos que os decisores políticos apresentam para o nosso presente e futuro. É fácil cair no comodismo, na anestesia do constante espetáculo político e mediático, e ir deixando para segundo plano o que, na verdade, é o essencial próximo de nós.
Hoje, é quase sinal de resistência querer estar devidamente informado e atento ao mundo. Mas, com as Autárquicas 2025 ao virar da esquina, considero que essa resistência é vital, pois temos de começar a direcionar a nossa atenção de forma consciente, ouvindo, comparando e pensando. Até outubro, cartazes, debates, slogans, conteúdos nas redes sociais e promessas, algumas novas, mas a maioria somente recicladas, disputam cada segundo do nosso tempo, do nosso olhar.
A atenção é alimentada por estratégias de marketing político que conhecem cada clique, cada scroll, cada reação. E, se não filtrarmos o que vemos, acabamos a gastar energia em polémicas que nada constroem nem ajudam a resolver os problemas que verdadeiramente afetam os cidadãos, dos quais, sem ser exaustiva, elenco o custo de vida, a habitação, e o apoio efetivo e digno aos jovens e idosos. Palavras como inclusão, desenvolvimento e sustentabilidade são palavras grandes, mas ganham vida nas histórias pequenas: a família que encontra casa, o idoso que volta ao seu lar, com segurança e dignidade, um jovem que consegue o seu primeiro emprego. É desta forma que a política adquire sentido, quando deixa de ser mera estatística e passa a ser experiência concreta e feliz.
Para a resolução dos problemas reais das pessoas comuns, temos de conseguir filtrar o ruído produzido pela multiplicidade de apelos digitais e de soundbytes, para não corrermos o risco de votarmos no que nos distrai e não no que nos serve enquanto sociedade como um todo.
A verdade é que os candidatos, partidos e movimentos disputam um segundo do nosso tempo, um espaço na nossa memória, tentando transformar a atenção em influência e, sobretudo, em voto, quais pescadores tentando capturar com os seus anzóis os peixes incautos.
O que se diz, e propaga nas redes, não precisa de ser relevante, tem é de ser irresistível, por isso é natural que os escândalos, os fait-divers, as piadas e os ataques pessoais sejam mais apelativos que os debates sérios. O problema é que, quando nos habituamos a constantes fogos-de-artifício, deixamos de ver o verdadeiro céu.
Como disse Chris Hayes, jornalista norte-americano: “A atenção é talvez a coisa mais importante… aquilo a que damos atenção, no fim, soma-se e transforma-se na nossa vida.”.
Se escolhermos com cuidado a quem damos o nosso tempo, estamos já a votar, mesmo antes de chegarmos às urnas. Clicar numa proposta concreta em vez de partilhar o meme do momento não é apenas uma escolha de gosto, é um gesto político. É decidir que não basta ser entretido, é preciso ser informado.
Aprender a escolher, com critério e opinião fundamentada, onde investir a nossa atenção assume-se também como um exercício de cidadania, pois só através de um olhar crítico, de envolvimento e da partilha de ideias é que se consegue caminhar no sentido de uma política mais justa e mais próxima das pessoas. Porque ouvir é, muitas das vezes, a forma mais transformadora de governar.
Mais do que campanha, os eleitores anseiam por atenção, por serem ouvidos. Escutar em tempo de autárquicas e, melhor ainda, fora do tempo de eleições, é deixar que a voz de cada munícipe ocupe espaço, mesmo quando não se encaixa nos grandes e megalómanos planos estratégicos de futuros brilhantes e superlativos, mas desfasados do dia a dia de um cidadão comum.
Talvez seja este o verdadeiro desafio da democracia: manter a capacidade de olhar para o essencial, escutar com tempo e disponibilidade. No fundo, a atenção bem escolhida é liberdade. E liberdade bem usada é esperança e a certeza de uma sociedade mais humana, consciente e solidária.
As próximas autárquicas são também sobre a nossa capacidade de não deixar o frio da indiferença instalar-se, mesmo que o inverno político pareça longo. Talvez não possamos mudar tudo num dia, mas nunca podemos descurar que a mobilização é a principal força política, uma arma cívica verdadeiramente democrática, mas só acontece quando os cidadãos sentem que têm voz, vez e que o voto não é apenas um número, mas um compromisso coletivo.
E nunca podemos esquecer que, por mais barulho que façam, o voto continua a ser um ato silencioso, e é no silêncio de uma cabine de voto que surge o gesto que diz: ainda estou aqui.
As urnas, no dia 12, não vão medir só votos. Vão medir se ainda temos anticorpos contra a indiferença ou se deixamos que a descrença nos enfraqueça. Uma boa participação nas urnas não cura todos os males, mas é um sinal inequívoco de que a nossa alma coletiva ainda tem energia para lutar.
Em outubro, mais do que decidir quem nos governa em cada concelho e em cada freguesia, vamos descobrir de que é feita a nossa esperança.
P.S.: E por falar de esperança, desejo, com amor e orgulho, que amanhã, dia 17, primeiro dia do 1.º ano da minha filha Matilde na universidade, seja mais um passo feliz na sua caminhada académica e pessoal.