O bom, o mau e a marinheira
Da cartilha de André Ventura, já nos habituámos a tudo. Bailarino de TikTok, bombeiro de ocasião, jornalista de algibeira e racista a tempo inteiro. Ao currículo de ilustres ofícios, Ventura juntou mais um. Tradutor contorcionista, especializado em torcer as palavras até ganharem o sentido que mais lhe convém. Foi assim a propósito da deslocação de Marcelo à Alemanha para participar na Bürgerfest. Ventura atirou-se ao nome da festa e esmagou-o até ganhar a forma de um festival de hambúrgueres. Na verdade, “bürger” é a palavra alemã para cidadão e a festa, acolhida pelo presidente alemão, é uma celebração da participação cívica e de voluntariado. Está provado que Ventura tem o mesmo talento para a tradução que para política: transforma tudo em fast-food.
O bom: Hospital Dr. Nélio Mendonça
Já foi Hospital Distrital do Funchal, já o chamaram de Cruz de Carvalho e, hoje, ostenta o nome do Dr. Nélio Mendonça. 52 anos depois de ser inaugurado, pela mão do então presidente da República Américo Tomás, e depois de ter sucedido ao Hospital dos Marmeleiros, o Hospital Dr. Nélio Mendonça é, atualmente, a espinha dorsal do sistema de saúde regional. Não deixa de ser curioso que, numa ilha que durante décadas viveu do turismo terapêutico, o primeiro hospital digno desse nome, e construído exclusivamente para o efeito, seja filho da década de 70. Esta aparente contradição revela muito sobre a evolução da saúde na Madeira. A ilha que atraía visitantes em busca do clima para tratar doenças respiratórias mantinha os madeirenses dependentes de estruturas precárias e improvisadas. Se os aniversários são sempre momentos de reflexão, os 52 anos desta unidade hospitalar convidam-nos a um balanço do caminho percorrido. Meio século depois, o hospital consolidou-se como referência regional, adaptando-se às mudanças demográficas e tecnológicas. Os números do primeiro semestre de 2025 confirmam esta vitalidade: 9.812 cirurgias, 226.751 consultas e 56.716 atendimentos na urgência não são a garantia de que tudo estará bem, mas são a prova de uma inegável trajetória positiva. Aos 52 anos, o Dr. Nélio Mendonça prepara-se para passar o testemunho ao futuro Hospital Central e Universitário da Madeira, lembrando-nos que os sistemas de saúde só sobrevivem se estiverem sempre a nascer de novo.
O mau: Luísa Paolinelli
Depois de ter começado mal - com cabras e ovelhas nas serras - a campanha autárquica do PS no Funchal afunda-se no pior. Foi notícia, esta semana, que a candidata a Presidente da Assembleia Municipal escolhida por Rui Caetano - Luísa Paolinelli - ao longo dos 4 anos como deputada municipal apenas marcou presença em três sessões plenárias. Em 2023 e em 2025, Paolinelli completou o pleno: não pôs os pés em nenhuma das reuniões realizadas. Em sua defesa, a deputada-candidata terá justificado todas as faltas e apresentado sempre substituto. Ainda assim, a ausência repetida, embora legal, é politicamente injustificável e reveladora de uma falta de compromisso absoluta com os eleitores. Instada a comentar o seu desaparecimento em serviço, Paolinelli conseguiu um feito raro e ao alcance de poucos. Transformou a resposta num caso ainda mais caricato que a notícia original. A socialista explicou, do alto da sua sobranceria política, que, durante 4 anos, os seus compromissos profissionais se sobrepuseram aos compromissos políticos. Mas não temam os funchalenses. Se for eleita presidente, Paolinelli promete arranjar espaço na preenchida agenda para brindar o Funchal com a sua presença. Resta saber se a súbita abundância de tempo de Paolinelli é privilégio reservado ao trono da presidência ou se também vale para a mais humilde condição de deputada. Seja qual for o caso, nada impede que Paolinelli presida à Assembleia Municipal do Funchal em teletrabalho — afinal, já domina a arte do mandato à distância.
A marinheira: Mariana Mortágua
A erosão da notoriedade política é uma pastilha difícil de engolir. No caso de Mariana Mortágua, a deglutição é dificultada pelo desaparecimento do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda e por ter sido na sua liderança que a hecatombe partidária sucedeu. Do buraco eleitoral onde se enfiou o Bloco já não se sai com arruadas, buzinões ou vigílias. Tempos difíceis exigem medidas espetaculares. Eis que alguém se lembrou de uma viagem de barco até Gaza. Não se trata, em boa verdade, de uma novidade. Já se organizam flotilhas a Gaza pelo menos desde 2008 e, à exceção das duas primeiras, não consta que algum dos barcos, ou a ajuda que carregam, tenha chegado a qualquer palestiniano. A flotilha navega num mar calmo de simbologia. Mariana Mortágua pode fingir-se marinheira da paz e do amor, usar um lenço árabe ao pescoço, gritar umas palavras de ordem e fazer um vídeo a ser intercetada pela Marinha israelita. O conteúdo político é bom e, no final do dia, toda a gente regressa a casa com uma bela história de ativismo para contar. É a nova forma de fazer política. Uns tripulam flotilhas, outros apagam fogos com um raminho, mas o que os move é exatamente o mesmo. O processo democrático não lhes chega, falta-lhes o teatro da ação, a emoção do terreno, a encenação visível que confunde emoção com política. Para trás, bem ao longe esquecida, fica a população de Gaza, refém de extremistas islâmicos, vítima do martelo desumano de Israel e usada por quem quer fazer política com a sua desgraça.