Morreu um pequeno da minha idade
O Jorge, nesta terça-feira, deu uma entrevista ao início da tarde. E depois a luz apagou na sua vida
A minha avó Lígia viveu mais de 90 anos. Durante os últimos não sabia bem onde estava e muitas vezes confundia as pessoas, mas sabia todas as lenga-lengas que as tias lhe tinham ensinado em pequena. Durante décadas, desde aquelas primeiras em que comecei a dar por mim como gente, ouvia-a falar daquela “pequena da minha idade”. De facto, a minha avó Lígia andou 80 anos a falar nas pequenas da idade dela como se ela ainda fosse uma pequena. Não era para menos. Quando alguém mais atrevido lhe perguntava a idade, respondia que tinha “24 feitos”. Ninguém sabia era há quantos anos.
Lembrei-me da minha avó, sempre com a resposta na ponta da língua, na terça-feira. Morreu um pequeno da minha idade. Bem sei que tinha 53 anos e que ainda me faltam uns meses para lá chegar, mas era um pequeno da minha idade. Há dias, morreu um que não era muito mais velho e a cidade, principalmente a ligada ao motociclismo, ficou em choque. Era um pequeno. De 60 anos, mas era um jovem. Nunca fui amiga de um nem de outro, mas do Jorge Costa lembro-me naquela tarde de domingo de 1991 em Lisboa, quando o país sofreu 120 minutos mais uns penalties para repetir o título conquistado em Riade dois anos antes. Acho que todos nos lembramos onde vimos essa final do campeonato do mundo de sub-20 como nos lembramos onde estávamos a 11 de Setembro de 2001. Eram uns pequenos da minha idade. Eu, na Rádio Clube a roer unhas com o colega que estava de serviço comigo e eles, os pequenos da minha idade, a darem tudo o que tinham para dar alegria a um país. O Gil, o Figo, o Peixe, o Brassard, o Jorge Costa e todos os outros “comeram relva” para vencer aquele jogo. E agora, olho para trás e percebo que se passaram 34 anos. Estou cada vez mais parecida com a minha avó e a minha tia Susana, que herdou a mesma vontade de viver e diz o mesmo, mas que não esconde a idade que tem, porque “bate aos pontos” muitas pequenas da minha idade.
Temos hoje, no país, uma geração a chorar a morte do Jorge Costa. Não jogava pelas cores do meu clube, mas deu-me uma alegria, com todos aqueles pequenos, naquela tarde. Afinal, havia futebol antes do pequeno de Santo António. Em 1992, entrevistei o Figo e o Peixe, para este Diário. Eu dividia a minha vida entre a rádio, esta redação e as aulas e aqueles pequenos da minha idade eram famosos. O Jorge, nesta terça-feira, deu uma entrevista ao início da tarde. E depois a luz apagou na sua vida. Era um miúdo. Um pequeno. Fez-me pensar na vida. Nos comprimidos que já tomo, na menopausa e no pouco que ligo ao que possam dizer de mim. Mas antes que me dê uma coisinha má como ao Jorge, vou é viver a vida e aproveitar cada dia com uns pequenos e pequenas da minha idade e não só, a quem chamo família de coração. Mais do que uma dessas pessoas com marcas de quimioterapia cravadas no corpo. E que aproveitam cada minuto da nova oportunidade que a vida lhes deu. Já agora deviam todos fazer o mesmo, porque, como vimos esta semana, tudo acaba num segundo.