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Crónicas

O bom, o mau e os merceeiros

No rasto de um e-mail desaparecido, de um bloqueio de trânsito imaginário e três minutos depois da hora, o PS ficou de fora da corrida à Câmara de Santana. À primeira vista é comédia partidária, à segunda é sintoma de um partido profundamente doente. E a doença não é o atraso, a desorganização ou o amadorismo. A doença é uma liderança que, nos momentos difíceis, raramente fala em nome próprio, mas encontra sempre alguém a quem culpar. Se Cafôfo ficou para organizar o processo autárquico, será que também ele se perdeu no caminho?

O bom: Acordo SITE-ARM

“Está ultrapassado o período anarco-populista das reivindicações selvagens ou das violências impostas pela rua, inspiradas por interesse partidários específicos”. Parece uma frase saída de um manual de instruções contra-revolucionário, editado no auge de uma qualquer revolução popular na América do Sul. Na verdade, é uma declaração de Mário Soares, em 1984, durante a criação do Conselho Permanente de Concertação Social. Nesse ano, Portugal registou 525 greves. Qualquer país onde num só ano se registam tantas greves é, para todos os efeitos, um país bloqueado. É dessa conclusão que nasce a Concertação Social e é daí que nasce a obrigação tripartida – do Governo, das empresas e dos trabalhadores – de se sentarem à mesa. Todos, por vezes, com interesses contraditórios, mas, também todos, com um objetivo comum: o crescimento económico do País. É por isso que um acordo entre trabalhadores e patrões não goza da pompa e circunstância de uma greve, nem produz o ruído de uma arruada, mas é nele que reside a mudança. Exemplo disso foi o acordo entre o SITE e a Águas e Resíduos da Madeira. Um compromisso antecedido por greves e negociações, é certo, mas que, no final, redundou num acordo. Talvez sirva de lição para outros conflitos laborais onde a greve sucessiva, transformada em ritual sem consequência, por vezes não parece sinal de uma reivindicação genuína, mas reflexo de um sindicalismo profissionalizado, que vive mais da agitação do que da solução.

O mau: André Ventura

De colete da proteção civil aos ombros para enfrentar um incêndio, com um capacete enfiado à pressa na cabeça para visitar uma obra ou de colete salva-vidas insuflado e preparado para uma travessia marítima - o político português é um homem de ação. Dele espera-se que esteja no terreno, mas que também saiba estar em recato. Que seja o primeiro a chegar a uma tragédia, mas que não atrapalhe com a sua presença. Que esteja sempre visível, mas que nunca apareça. Talvez por isso, o político português viva em constante contradição. Criticado por aparecer em demasia e também por estar ausente, por se aproveitar da desgraça alheia e por não ser sensível ao sofrimento do cidadão comum. O político português está condenado a que a sua ubiquidade seja tão inconveniente como a sua ausência. E depois há André Ventura. Sobrevoando o espaço mediático, que nem um abutre, em busca da próxima desgraça onde pousar. Desta feita, aterrou nos incêndios e prestou-se, de raminho de folhas na mão, a uma triste caricatura de bombeiro. Não é proximidade, é protagonismo. Não é um estilo de fazer política, é burla. Frenética, pragmática e ruidosa. Se for preciso rezar, Ventura desenrasca um terço e se for preciso chorar, o presidente do Chega produz uma lágrima. Enquanto todos os outros políticos hesitam entre aparecer e resguardar-se, André Ventura encara o dilema com a simplicidade de um charlatão político: aparecer sempre, custe o que custar.

Os merceeiros: JPP - Juntos pelo Povo

Em tempo de eleições, habituámo-nos a ouvir uma miríade infindável, e cada vez mais criativa, de propostas e promessas. Centenas de casas construídas em tempo recorde, cabras e ovelhas à solta nas serras e a exterminação implacável de ratos, baratas e insectos das ruas da cidade. Perante o longo cardápio autárquico de compromissos, a promessa de um supermercado no Funchal, como anunciado pela candidata do JPP, até parece razoável. Deixemos de parte se tal seria competência municipal, ignoremos como é que a Câmara colocaria em prática semelhante façanha e, com ainda maior benevolência, não perguntaremos de que forma é que mais um supermercado resultaria na redução do preço dos bens essenciais. O que chama à atenção na proposta do JPP não é o supermercado, são as contas de merceeiro. Um supermercado aqui, uma faixa corta-fogo ali, um ferry a caminho, casas à discrição, impostos no mínimo e salários no máximo. Tudo o que o eleitor quiser ouvir, os merceeiros da política madeirense têm em stock e disponível para entrega gratuita ao domicílio em época eleitoral. A não ser que o eleitor tenha o infortúnio de viver em Santa Cruz, porque aí o stock é limitado e as entregas problemáticas. Não deixa de ser irónico que, até agora, o único concelho onde os candidatos do JPP não prometem construir habitação seja, precisamente, em Santa Cruz. Aliás, basta revisitar os últimos 12 anos de governação autárquica para confirmar que, em Santa Cruz, não se ergueu uma única casa municipal. E quanto a supermercados, nem vê-los: o milagre da prateleira cheia prometido no Funchal, tarda a chegar a Santa Cruz. Os merceeiros da política madeirense limitam-se a vender ao eleitor, em época de eleições, a ilusão de que tudo está em promoção.