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Isto está bom, não está?

Confesso a minha predileção por projetos claros, ideias limpas de preconceitos, devidamente fundadas em ciências como a sociologia, a economia, a história ou a geografia, que nos explicam muito do que pode ser o sucesso desses projetos.

A Madeira, que tem uma determinada dimensão, cultura, história e localização, diria que até estranhamente, sempre conviveu mal com estas características. Desde que me lembro, temos esta mania de querermos ser o que não somos, desvalorizando inclusivamente o que temos. E então baralhamos, optando por políticas dúbias e bastante nebulosas.

Vivemos em permanente competição virtual, com um foco em ganhar campeonatos que não existem. Temos sonhos de grandeza, queremos à força ser enormes, mas não assumimos isto nunca. Parece até que temos vergonha da nossa pequenez mas, ao mesmo tempo, também destes sonhos megalómanos!

Quando ganhamos coragem para sair do armário, regra geral deixamos de considerar os tais fundamentos de que falei acima. A ideia da Singapura do Atlântico acho que sintetiza bastante bem essa lógica, que ainda hoje perdura, apesar de com outros atores.

Importamos conceitos sem pensar duas vezes de onde veem, a que juntamos uns pós de mania das grandezas. É daqui que surgem os valleys, as boutiques de pão, os prédios qualquer coisa views e as villas, assim mesmo, com dois “eles”. Ou até mais mas não vou exagerar porque às tantas acabam-se-me os caracteres…

E prosseguimos, naquela que é a indústria mais importante da nossa economia, com o desejo inconfessado de sermos e parecermos grandes, com um twist de cosmopolita, acrescentando os resorts e os palaces. Porque só assim podemos ser atrativos, termos companhias aéreas interessadas em nós, cadeias hoteleiras a investir no nosso destino, grandes marcas a virem abrir lojas neste nosso potencial centro comercial a céu aberto.

Esquecemo-nos que o nosso território é exíguo e 2/3 dele, felizmente, protegido. Esquecemo-nos de que mais oferta de camas exige mais pessoas para trabalhar no sector. Esquecemo-nos de que é na diferenciação que está o ganho e que existe risco em canarizar a gestão do território. Esquecemo-nos que temos uma porta de entrada no destino que tem condicionamentos, que exige planos de contingência. Esquecemo-nos até de ir fazer trabalho comercial junto das tais grandes marcas, que continuam a não fazer ideia que existimos…

Esquecemo-nos disto tudo entretidos a anunciar recordes. De receita, de prémios, de voos. É tudo a somar, sendo que estas “pequenas” subtrações como a capacidade de carga, a falta de recursos humanos ou o discurso anti-turismo se abafam facilmente…

Entretanto, não somos nada do que já fomos e ninguém sabe responder sobre o que iremos ser. Até porque ninguém faz ideia… Gerir, hoje em dia, é responder ao imediato! E fingir que existe uma estratégia, um desígnio, um plano.

“Isto está bom, não está?”, é o que mais me perguntam ultimamente. De tão cansado de explicar, até já minto e digo que sim. Mas não está, antes pelo contrário! Estamos, há muito tempo, a dar cabo da nossa economia, do nosso destino e todas as medidas de que oiço falar ou são de fachada, ou são más. Ou então não existem…