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Crónicas

A vida não espera

Talvez a pergunta mais urgente seja: como podemos viver de forma mais consciente, mais empática, autêntica, presente, intencional e inspiradora? É na resposta que mora a coragem de ser inteiro num mundo que nos quer partidos em mil versões

“Vamos todos morrer!”, gritei. Não como quem se rende, mas como quem reconhece, com crua lucidez, a única certeza democrática da vida. A frase escapou-se-me no meio da leitura de uma torrente de e-mail’s com conteúdo ignorante, onde a humanidade se perdia entre acusações de inconsciência e julgamentos baseados em estupidez humana. Usei o princípio da Navalha de Hanlon, para, de certa forma, apaziguar o meu coração: “nunca atribua à malícia o que pode ser explicado pela ignorância ou estupidez." O editor do Wall Street Journal, Thomas F. Woodlock, dizia, vezes sem conta, que neste mundo, muito do que as vítimas acreditam ser malícia é explicável em razão da ignorância ou incompetência, ou uma mistura de ambas. 

Um grito de desespero, sim, e também uma convocação à consciência, porque se a morte é inevitável, a forma como vivemos até lá é, ainda, uma escolha nossa. Dizer que vamos morrer é lembrar que o tempo urge, que o silêncio nos torna cúmplices em muitas situações e sábios, noutras tantas, e que a esperança, mesmo quando gritamos em desespero, é a fagulha que nos obriga a querer um mundo onde viver ainda valha a pena. E nesse mundo, só há espaço para o essencial, para aquilo que realmente importa. Aqui e agora.

Como seria se todos parassemos para perguntar: e se hoje fosse o meu último dia?

Esta talvez seja uma pergunta desconfortável (para mim ainda é), daquelas que preferimos empurrar para debaixo do tapete da rotina. Mas, e se fosse? Valeria a pena tanta correria e ‘confusão”?

O que ficaria por dizer? 

O que é que não tivemos coragem de fazer? De viver?

Quem é que ainda espera o nosso abraço?

Vivemos como se houvesse um “amanhã” garantido, só que a verdade é que a vida é uma viagem muito (demasiado!) curta. É linha ténue, breve, fugaz, imprevisível. Um sopro. E no entanto, tantas vezes, deixamo-nos embriagar pela pressa, pela exigência, pela comparação cega, pelas raivinhas.

Será que estamos realmente a viver ou apenas a sobreviver?

Quantas vezes ouvimos o que sentimos?

Quando foi a última vez que investigámos as nossas necessidades? E os nossos valores?

Quantas vezes escutamos, em presença, quem nos rodeia?

Há dias em que quase perco a esperança e tendo a acreditar que a inteligência emocional está em vias de extinção. Ela não é apenas uma competência de (alguns, poucos!) líderes e clichês escritos em manuais de autoajuda. A inteligência emocional é a bússola interna que nos guia quando o mundo gira depressa demais (e se gira!). É ela que nos ajuda a pausar, respirar, a perceber o outro e a nós mesmos, sem julgamento, com curiosidade.

É a capacidade de reconhecer o que sentimos e usar esse conhecimento a favor da vida, e não contra ela.

Não está nas grandes conquistas, nem nos aplausos. Está nos pequenos gestos que deixamos pelo caminho: na qualidade do tempo que entregamos aos nossos filhos, aos que mais amamos, está no reconhecimento que oferecemos a quem já o tinha esquecido de receber, na escuta atenta a um amigo que não precisa de conselhos, só de presença.

Porque o verdadeiro legado não é aquilo que deixamos às pessoas, mas nas pessoas. E esse legado constrói-se agora.

Não são precisas grandes proezas. Basta começar com perguntas como:

O que quero que as próximas gerações aprendam com a minha vida?

Que valores estou a semear nas relações que cultivo?

Quem sou eu quando ninguém está a ver?

É essa honestidade silenciosa que educa, que transforma, que inspira.

Então, e se hoje fosse o primeiro dia do resto da nossa vida?

Como escolheríamos viver?

O que faríamos de diferente?

O que deixaríamos de adiar?

A vida não espera. E nós ainda podemos escolher: sentir mais, julgar menos, amar melhor, influenciar positivamente.

E desse lado, que legado quer deixar?