Serão assim tão diferentes?

Segunda-feira, dezanove de maio de dois mil e vinte e cinco. Podia ser mais uma segunda como tantas outras, no meio do café a correr, uns a fumar o último bafo do seu cigarro, outros levavam os miúdos à escola, antes de regressar a mais uma semana de trabalho. Mas foi uma segunda diferente. O país acordou dividido entre os que não entenderam como é possível, cinquenta anos depois, voltarmos a assistir ao crescimento da extrema-direita – e os que sentiram o seu dever cumprido, por esse mesmo crescimento.

Mas será que os eleitores que levaram ao aumento da força deste partido são assim tão diferentes, dos que temem o aumento? Será que todos os que votaram acreditam e concordam com todos os casos e casinhos dentro do partido? Será que todos eles são verdadeiramente machistas, xenófobos ou agressores?

Não nos deixemos enganar. Na verdade, sim – muitos deles são, sim, tudo isto e muito mais. E o partido que idolatram foi, sim, conquistar esse mesmo eleitorado: um eleitorado que estava esquecido, por acharmos que já não existia em pleno século XXI. Mas são mais do que isso. Como entender que, sim, existem pessoas estudadas, de diferentes classes sociais – até amigos nossos – que votam em um partido que tantos de nós contestamos?

Temos de recuar um pouco. O cansaço e o descontentamento, aliados a uma retórica exímia, fazem até o mais cético dos eleitores acreditar no discurso do partido de um homem só. Se há algo em que todos podemos concordar, é que ele possui, incontestavelmente, o dom da palavra – e é usando esse mesmo dom que consegue captar e convencer cada um dos seus eleitores. Transformando cada derrota numa vitória e faz uso da sua maior arma para mudar mentalidades, convencendo-os de que, na verdade, são a única opção que o povo tem de mudança.

Não é por capricho ou extremismo que muitos votam no partido, mas sim por se identificarem com as mesmas reivindicações que discutem todos os dias no café. É por trabalharem todos os dias e, ainda assim, continuarem a sentir que só estão a alimentar o “sistema”. O sistema de país que sentem que lhe falha a eles, aos muitos que mantêm a máquina todos os dias a trabalhar.

Até porque o mesmo é válido quando a balança tende para o outro lado. Hoje, preocupa-nos o crescimento de uma direita mais radical, mas banaliza-se completamente a existência da extrema-esquerda em Portugal. Extremo este que, há não muitos anos, fez parte de uma solução encontrada para que a esquerda assumisse a gestão do país. Engane-se quem pensa que esta comparação não tem nada a ver. O que não falta são exemplos, pelo mundo fora, que demonstraram que nenhum dos extremos pode ser bom para um país – muito menos para a sua população.

Na verdade, podem ser muito mais prejudiciais se pararmos para pensar. Não a nível de ideologias em si, mas sim pelo banalismo das mesmas. Se só se dramatizar a existência de um dos extremos, quase que se camufla a existência do outro. Enquanto um pode nos fazer perder direitos pelos quais lutámos durante anos, o outro pode destruir completamente o investimento e as empresas, levando o país a uma nova crise – em qualquer um dos casos.

Não nos deixemos enganar por promessas sem medidas concretas de execução. Discursos incendiários são tão facilmente escritos – e podem devastar hectares e hectares de conhecimento e pensamento crítico. Até porque extremismos, preconceito e pensamento retrógrado estão presentes no eleitorado de todos os partidos, em todos nós, sem exceção. Todos temos as nossas crenças, os nossos extremismos, os nossos medos e, sobretudo, a nossa visão do que é certo para o país, sejam eles mais moderados ou mais radicais.

Acho que, mais do que julgar o voto dos nossos compatriotas, é urgente discutir política. Temos de aproximar o povo da política, mas com educação e conhecimento. Não é num braço de ferro entre o certo e o errado que se muda o país e o seu eleitorado. É através da compreensão. De entender o que leva o nosso amigo, o nosso colega ou o nosso vizinho a exercer assim o seu direito.

Tenho para mim, com quase absoluta certeza, que ouvir e dialogar são as armas mais fortes para destruir argumentos e promessas vazias. Afinal não se apanham moscas com vinagre – e eles, sim, sabem fazer bom uso do mel.

Maria Gonçalves