Peso da Liberdade Esquecida...
Num tempo de esquecimento fácil e revisionismo subtil, lembrar o valor da liberdade tornou-se um dever moral e cívico. Os resultados das eleições legislativas nacionais de 18 de maio, expuseram uma tendência inquietante: o crescimento de uma nostalgia mal informada por um passado que muitos não viveram — e que poucos conhecem de verdade. Multiplicam-se as vozes que, entre conversas de café e cliques nas redes sociais, suspiram pelos “tempos da outra senhora”, evocando o Estado Novo com uma combinação de ignorância, idealização e, por vezes, má-fé deliberada.
Esta saudade fabricada, quase sempre alheia à realidade histórica, não é apenas uma curiosidade social. É um sintoma alarmante de desinteresse pela verdade, uma expressão de cansaço democrático que abre espaço a perigosas fantasias autoritárias.
Ouvir-se dizer que “antigamente é que era bom” tornou-se comum. Fala-se de ordem, respeito, segurança. De jovens obedientes e ruas sem crime. Mas raramente se entende o que isso significava: silêncio imposto, censura total, tortura legitimada, guerras coloniais intermináveis, pobreza disfarçada de decoro, mulheres silenciadas pela moral, jovens forçados a emigrar. Uma sociedade amordaçada, vigiada, subjugada.
É irónico que tantos dos que hoje atacam a democracia nas redes sociais se esqueçam de que, em ditadura, nem sequer poderiam escrever o que escrevem. A liberdade de expressão que agora usam para desvalorizar a liberdade seria então um crime — vigiado, punido, suprimido.
Mais grave que a ignorância, porém, é a indiferença. A recusa em ouvir quem viveu esses anos escuros. Como se o passar dos anos invalidasse o testemunho. Como se o sofrimento tivesse prazo de validade. Como se a História pudesse ser ignorada porque desconforta.
E o tempo, impiedoso, leva com ele os últimos que ainda sabem o que foi viver com medo, votar sem certezas, perder amigos para a repressão. Quando essa geração partir, restarão os arquivos, os livros, os documentários. Mas restará sobretudo uma responsabilidade: garantir que o esquecimento não vença a verdade. Que a mentira cómoda não substitua a memória.
É por isso que importa continuar a escrever, a ensinar, a discutir. Não por saudosismo, mas por dever. Não por romantismo, mas por decência. Porque defender uma ditadura, hoje, não é apenas uma opinião infeliz. É uma traição à História.
É desrespeitar quem lutou, quem sofreu, quem morreu para que hoje possamos discordar, votar livremente, viver sem medo de falar.
E não há maior perigo do que esquecer o valor daquilo que foi conquistado com silêncio, coragem e sangue.
Tenho dito.
José Augusto de Sousa Martins