Será que os pais de uma criança falecida podem processar quem difundir publicamente a sua imagem?
A morte de uma criança de 12 anos, aluna da Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco, em circunstâncias que ainda estão sob investigação, está na ordem do dia na Madeira e tem sido amplamente comentada nas redes sociais e na comunicação social. Algumas publicações têm divulgado o nome e a foto da menor. Mas, hoje, numa página de Facebook, foi publicado um alerta a referir que a mãe da menina “pode processar todos os meios de comunicação e pessoas que tenham publicado a fotografia da filha sem autorização”, acrescentando que “a imagem de uma menor só pode ser divulgada com o consentimento dos pais”. Será mesmo assim?
A Constituição da República Portuguesa (artigo 26.º, n.º 1) e o Código Civil (artigos 79.º e 81.º) garantem o direito à imagem. A pessoa tem o direito de não ser fotografada e não ver o seu retrato exposto, reproduzido ou comercializado sem o seu consentimento. Trata-se de um direito de personalidade, que é aplicável mesmo após a morte. Segundo o artigo 71.º do Código Civil, os direitos de personalidade gozam de protecção mesmo depois da morte do respectivo titular e tem legitimidade para requerer tal protecção o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.
O artigo 79.º do Código Civil proíbe a reprodução ou divulgação da imagem sem consentimento, salvo excepções. Admite-se a dispensa do consentimento pela notoriedade pública da pessoa, pelo cargo que desempenhe, pelas exigências da polícia ou da justiça, ou finalidades científicas, didácticas ou culturais. Também se admite a reprodução da imagem pessoal se a mesma for enquadrada em lugares públicos ou na descrição de factos de interesse público ou que tenham ocorrido publicamente. Mas mesmo em tais casos, a fotografia não poderá ser reproduzida, exposta ou lançada no comércio se daí resultar prejuízo para a honra, a reputação ou o decoro da pessoa retratada.
Já no Código Penal, no artigo 199.º, n.º 2, tipifica-se como crime de 'Gravações e fotografias ilícitas' a utilização de fotografias contra a vontade do fotografado, mesmo que a captação tenha sido lícita. Isto inclui a publicação em redes sociais.
Estes princípios e limites são ainda mais reforçados quando envolvem crianças. Para a publicação de imagens de menores exige-se autorização dos seus representantes legais.
Os jornalistas têm especiais deveres de protecção da identidade e privacidade dos menores. O Estatuto do Jornalista proíbe que os profissionais de comunicação social identifiquem directa ou indirectamente menores em contextos negativos ou sensíveis (como crime, violência, abuso, etc). A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco impede os órgãos de comunicação social de identificar (por exemplo, com fotografias) crianças ou jovens em situação de perigo, sob pena dos respectivos jornalistas e responsáveis editoriais incorrerem na prática de crime de desobediência.
Em suma, os representantes legais (sejam os pais ou outras pessoas) de uma criança falecida têm ampla cobertura legal para agir contra publicações não autorizadas em redes sociais, com base no direito à imagem e na jurisprudência portuguesa.