Desafios à soberania do Panamá
Donald Trump quebrou a política de boa vizinhança com os seus aliados tradicionais. Ao Canadá, por exemplo, declarou publicamente que este país deveria se tornar o 51.º Estado dos EUA. Mas também sugeriu a recuperação do Canal do Panamá. Estas declarações, além de suscitarem preocupação, contradizerem princípios e normas estabelecidos no Direito Internacional Público.
O Canal do Panamá é uma zona de importância vital para o comércio internacional, uma vez que liga os oceanos Atlântico e Pacífico. Compreendendo a sua relevância estratégica, Theodore Roosevelt promoveu a construção do canal e garantiu o controlo jurisdicional e militar dos EUA sobre esta via interoceânica, através do Tratado de Hay-Bunau Varilla. Posteriormente, com os Tratados Torrijos-Carter, acordou-se que o controlo do canal seria gradualmente devolvido ao Panamá, um processo que culminou a 31 de dezembro de 1999, durante a administração Clinton.
Recentemente, Trump acusou o Panamá de aplicar taxas exorbitantes aos navios norte-americanos, suscitou a possibilidade de o Panamá devolver o controlo do canal aos EUA e advertiu sobre a crescente influência chinesa no istmo. Esta posição reflete a visão histórica dos EUA, enquadrada pela Doutrina Monroe, a qual promoveu o controlo hegemónico dos EUA sobre os países da América Latina e das Caraíbas.
Em resposta, o Presidente do Panamá, José Raúl Mulino, esclareceu que as taxas do canal são afixadas através de processos públicos influenciados pelos custos operacionais e fenómenos climáticos que afetam o seu funcionamento. Reafirmou a soberania do Panamá sobre o canal, contando com apoio internacional e apresentou uma queixa formal às Nações Unidas, despertando um forte sentimento nacionalista na população.
Apesar das declarações polémicas de Trump, é pouco provável que os EUA concretizem as suas ambições relativamente ao Canal do Panamá. Contudo, constituem uma evidência da rivalidade que existe entre os EUA e a China pelo domínio das principais rotas marítimas do comércio internacional e demonstram a preocupação da administração Trump pela crescente aproximação entre o Panamá e a China.
Em suma, embora estas declarações pareçam retóricas, revelam um preocupante distanciamento dos EUA das normas internacionais que garantem a integridade territorial e soberania dos Estados. A mera possibilidade de os EUA recuperarem o controlo do canal do Panamá pela via militar constituiria uma grave violação dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e colocaria em causa o Protocolo de Neutralidade do canal, que assegura a sua abertura inclusive em tempo de guerra.