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Explicador Madeira

Endometriose, a ‘doença invisível’

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Na última maratona de votações no Parlamento da República, esta quarta-feira, antes da sua dissolução após o chumbo da moção de confiança apresentada pelo Governo de Montenegro, foi aprovado um regime de faltas justificadas para pessoas que sofram de endometriose.

Março é o Mês Mundial de Consciencialização para a Endometriose. Mas, afinal, o que é a endometriose e porque é tão importante o seu diagnóstico?

A endometriose é uma doença que afecta uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva. Estima-se que a incidência desta doença em Portugal seja de cerca de 350 mil casos. A partir do momento em que surgem os primeiros sintomas até ao diagnóstico decorrem, muitas vezes, vários anos, com grande impacto na qualidade de vida da mulher.

“A endometriose pode ser limitativa até da actividade profissional, há mulheres que não conseguem ir trabalhar, que não se conseguem levantar da cama, porque têm dores intensas durante a menstruação”, afirma Rui Viana, ginecologista CUF, num artigo publicado pela própria CUF.

É uma doença caracterizada pela presença do endométrio, o tecido de revestimento interno do útero, fora da cavidade uterina, formando massas / lesões de características benignas (com excepção do ovário), com maior ou menor extensão. Esse tecido sofre transformações semelhantes às que ocorrem no útero durante o ciclo menstrual, que se traduzem em dor, infertilidade e complicações graves com outros órgãos.

Na maioria dos casos, o tecido acaba por se alojar na pélvis, implantando-se em órgãos como a trompa, ovário ou útero. Pode, também, implantar-se noutros órgãos próximos, como a bexiga e o intestino, ou em locais mesmo à distância, como no diafragma, no pulmão, no cérebro. Como este tecido não sabe que está fora da cavidade uterina, ele vai obedecer a todo o ciclo menstrual e a todas as instruções hormonais associadas ao ciclo menstrual. Como resultado, podem ocorrer hemorragias internas e reações inflamatórias.

Em casos pouco frequentes a endometriose pode não ter quaisquer sintomas. Contudo, como já referido, o sintoma mais comum é a dor durante a menstruação ou entre períodos menstruais, durante ou depois das relações sexuais, durante a micção ou a defecação. Relevante é também o facto de 35% a 70% das mulheres com endometriose terem dificuldade em engravidar.

Várias outras queixas podem estar associadas e permitir um mais rápido diagnóstico da endometriose. Sintomas como o cansaço fácil, hemorragias menstruais abundantes, perda de sangue entre os períodos menstruais, menstruação com sangue escuro, dificuldades na digestão, mal-estar, fraqueza, alterações no trânsito intestinal, alterações do humor.

Nas formas graves de endometriose, podem estar presentes outros sintomas, relacionados com os órgãos que são atingidos. Complicações graves também podem ocorrer de forma lenta ou aguda, como por exemplo perfuração intestinal, oclusão intestinal, pneumotórax (colapso do pulmão na altura da menstruação), perda de função renal progressiva, e outras.

A evolução da doença depende de caso para caso, sendo que apesar de benigna, a endometriose tem um comportamento de uma agressividade extrema. Daí a importância do diagnóstico, que pode tardar a chegar, com um intervalo de tempo muito grande desde os primeiros sintomas, que pode levar mesmo uma década. São questões como a normalização, a falta de consciencialização sobre a doença e a falta de acessibilidade que levam a este atraso no diagnóstico e a endometriose a ser conhecida como uma ‘doença silenciosa’.

A normalização da dor é um factor importante e que deve ser combatido. Durante muitos anos vem sendo aceite que as menstruações são dolorosas e que é normal as mulheres terem dores no período da menstruação e fora dele. É importante valorizar estas queixas, sobretudo em adolescentes. Ouvir o doente e procurar um ginecologista que possa diagnosticar a doença.

Como os sintomas associados à endometriose podem ocorrer em várias outras doenças, para o diagnóstico é necessária uma avaliação médica detalhada e a realização de exames complementares de diagnóstico. O exame de primeira linha é a ecografia ginecológica. As lesões são visíveis, devem ser procuradas e conseguem ser identificadas por pessoas treinadas. A ressonância magnética permite fazer um mapeamento de toda a endometriose, importante para perceber qual a extensão da doença, a sua gravidade, e qual o tratamento mais adequado.

A endometriose é uma doença benigna, crónica, que não tem cura, mas tem tratamento. Este tratamento deve ser personalizado tendo em conta as queixas do doente e outros factores como a idade, desejo reprodutivo e outras doenças. O tratamento pode ser dividido em duas grandes vertentes: a médica e a cirúrgica.

Através de medicação é possível controlar a doença nos estadios iniciais e até em estadios moderados. A terapêutica hormonal pode ajudar a equilibrar na maior parte das situações, muitas vezes associada a medicamentos anti-inflamatórios para controlar alguns períodos de dor. Pode fazer sentido complementar com alterações dos hábitos nutricionais, assim como com a fisioterapia, sobretudo do soalho pélvico.

As situações em que não é possível encontrar este controlo do equilíbrio podem necessitar mesmo de tratamento cirúrgico, indicado quando os sintomas são graves e incapacitantes, há formação de massas e invasão de outros órgãos, e existem muitas queixas de infertilidade. O tratamento cirúrgico pode ser conservador, onde se removem as massas mas mantém-se o útero e os ovários, ou radical, onde é removido o útero, as trompas e os ovários, para além das massas de endometriose.

Nas mulheres jovens submetidas a um tratamento radical procura-se, tanto quanto possível, manter os ovários, para que não desenvolvam um processo de menopausa precoce. Após uma cirurgia conservadora, a taxa de recorrência, que globalmente varia entre 6% e 30%, é (no caso de conservação dos ovários) inversamente proporcional à idade.

Consciencialização

Apesar de terem sido alcançadas algumas conquistas, como a justificação de faltas para quem sofre de endometriose, muitas mulheres continuam a enfrentar dificuldades no acesso a cuidados de saúde integrados. Susana Fonseca, presidente da MulherEndo - Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose, defende um “acompanhamento digno e adequado nos hospitais, com uma equipa multidisciplinar que integre especialistas em nutrição, psicologia, fisioterapia do pavimento pélvico, entre outras valências, para controlar sintomas e devolver qualidade de vida às mulheres”.

A médica reforça a importância de um diagnóstico precoce e de um plano de tratamento personalizado. “O diagnóstico muitas vezes é tardio, e durante esse tempo a mulher enfrenta dores severas e um impacto emocional profundo”, afirma. Mais, reitera que “as dores não devem ser normalizadas. Dores menstruais lancinantes não são normais. Esta normalização da dor, associada ao facto de estas mesmas dores se poderem manifestar noutras zonas do corpo, explicam que haja um atraso enorme no correcto diagnóstico.