Os números da vergonha
Ao longo das últimas semanas, a Madeira discutiu os números do Orçamento do Estado, do Orçamento Regional e da Saúde, todos com um problema comum: os números avançados pelo PSD não resistem ao teste do algodão – consultar as fontes oficiais.
1. O Orçamento do Estado
Durante a discussão do Orçamento do Estado, os madeirenses foram confrontados com sucessivas versões sobre as transferências para a Região. A primeira dizia que em 2026 a Região receberia mais 14,5 milhões de euros, mais 5,2% face ao ano anterior, num total de 294 milhões de euros. Problema: não é verdade.
O último Orçamento do Estado aprovado por um Governo de António Costa, para 2024, previa 345 milhões de euros para a Região, 305 referentes à Lei das Finanças Regionais (LFR). O primeiro aprovado por um Governo de Luís Montenegro, para 2025, previa inicialmente 312 milhões de euros, que depois passaram a 362, 330 alegadamente referentes à LFR - mas com um truque: foram incluídos aí 50 milhões para pagamento de dívida, que são um mero exercício contabilístico e que, entre o deve e o haver, operações de renegociação de dívida, alterações das taxas de juro e afins, nunca saíram do Ministério das Finanças. No final, em 2025, a Madeira recebeu mesmo só 312 milhões de euros, menos 33 do que em 2024. Ninguém deu por eles.
Satisfeitos com a proeza, o PSD, o de lá e o de cá, repetiram a dose e em 2026 foram mais longe: desta vez, o valor inicial para a Região era de 296 milhões - os tais que até foram noticiados como maiores do que os 312, ou 362 de 2025 -, 215 fruto da LFR e 81 de outras fontes, que incluem os 79 milhões anunciados por Albuquerque como “oferta” de Montenegro. Novo problema: como o valor total continuava a ser inferior ao de 2025, toca a “inventar” mais 75 milhões que, supostamente, chegariam à Região - mas, afinal, não passam, outra vez, de operação de dívida. No final, os 371 milhões são, na verdade, 296 que chegam à Região.
Entre mentiras e truques, certo é que, entre 2024 e 2026, a Madeira recebeu menos 82 milhões de euros de transferências diretas do Orçamento do Estado do que com António Costa. Alguém deu por isso? Ninguém. Talvez seja porque o Governo não é… socialista. Tudo facilmente verificável, nos artigos, mapas e propostas de alteração do Orçamento, disponíveis online a qualquer cidadão.
2. O Orçamento Regional
Já o Orçamento Regional trouxe-nos outro problema e outra mentira.
O problema é o corte orçamental de 204 milhões de euros, justificado sobretudo com o fim do PRR - e é um problema que traduz a infeliz realidade da nossa história recente: os investimentos efetuados com o apoio do PRR não revelam qualquer efeito económico reprodutivo positivo que permita superar os custos do seu fim, tal como muitos outros investimentos efetuados com fundos europeus não conseguiram fazer. Ou seja, o que fizemos com os fundos europeus foi gastar, sem semear para colher depois. Quando eles acabarem, logo se verá quem pagará - provavelmente todos nós, com um novo aumento de impostos e da dívida regional.
3. A Saúde
Mas a mentira maior está mesmo na Saúde. O Grupo Parlamentar do PSD anunciou um aumento de 40 milhões para a Saúde, já depois de Albuquerque ter anunciado um corte. Fui ver quem tinha razão - e, desta vez, é o Presidente do Governo, porque é mesmo verdade que o Orçamento Regional tem um corte na Saúde, olhe-se para onde se olhar.
Comparando os documentos de 2025 e 2026, o mapa II tem um corte de 7 milhões de euros na Saúde; o mapa III, um corte de 10; o mapa VI tem um corte de 50 para o SESARAM, bem identificado pelo PS; e o quadro 36, com a despesa total consolidada, um corte de 40. E se pensarmos que a obra do Novo Hospital do Funchal levará, em 2026, mais 37 milhões, percebemos que o corte real é ainda maior. Não há maneira de encontrar o aumento de que fala o PSD, porque não existe. Mais: em percentagem do PIB, a Madeira investiu 8,6% em Saúde em 2025 e investirá 7,7% em 2026 – cerca de menos 3% do que a média dos países da OCDE.
Tudo isto confirma que as dificuldades financeiras que a Região enfrentará no futuro são reais: com uma má LFR, aprovada por Governos do PSD; sem fundos de coesão europeus e nacionais; com um modelo económico incapaz de gerar receitas suficientes, dependente de setores que não resistem à mínima instabilidade, como a construção civil e o turismo; e com despesas crescentes em áreas fundamentais como a Saúde, como é que pagaremos a conta?
Neste caso, o problema maior nem são os números do Orçamento; são mesmo, por exemplo, os números de cancros que temos a mais e os de anos que vivemos a menos - não só, mas também por força de uma política regional de Saúde errada, que começa nos cortes orçamentais e termina em quem a lidera. Ao contrário do que se propagandeia, a Saúde na e da Madeira está como a saúde dos números do PSD: doente. Voltarei ao tema.