Arma de vingança
Na fase final da II Guerra Mundial, a Alemanha, sujeita a bombardeamentos aéreos sistemáticos das suas cidades por aviões americanos e ingleses, lançou-se na produção de armas não tripuladas que levassem a destruição ao adversário, sem perdas humanas alemãs.
Assim nasceram, primeiro a bomba voadora V-1, um antepassado dos mísseis de cruzeiro, dotado de um motor de jacto e lançado a partir de uma rampa, e o foguete V-2, já um verdadeiro míssil balístico, de disparo vertical. Estas armas trouxeram, de facto, graves perdas humanas e grandes danos às cidades inglesas, até ao final da Guerra.
O “V” significava Vergeltungswaff, literalmente, “arma de vingança”.
Salazar não gostava de Hitler, entre outras coisas porque lhe atribuía uma postura pagã, muito diferente da de Mussolini e ou da de Franco, de matriz cristã e latina. Lembremos as palavras de Hitler no funeral do Marechal Hindenburg: Vai para o Walhallah, grande guerreiro! Ou seja, em vez do repouso eterno no céu cristão, encomendava-o ao paraíso germânico, junto do glorioso deus Odin, para onde iam os guerreiros nobres mortos na batalha.
A mais antiga compilação de Direito conhecida do Ocidente, o Código de Hamurabi (1.772 A.C.), estabelecia o princípio da retaliação: a pena pelo delito deveria ser proporcional à ofensa, o que, na prática, seria o “olho por olho, dente o por dente”. Assim se concebia a reposição de um Direito.
A vingança não tem medida, porque assenta no ódio e não na Justiça. E, em vez de repor o direito ou de dissuadir a ofensa, dá início a uma espiral de violência, aquilo a que Clausewtitz chamou a “ascensão aos extremos”, em que as razões iniciais são ultrapassadas e esquecidas, seguindo a destruição em espiral livre, com resultados imprevisíveis.
Os Estados Unidos atacaram recentemente na Síria cerca de setenta alvos do chamado Estado Islâmico (ISIS), em retaliação a um atentado que vitimou dois militares e um intérprete americanos.
O secretário de Defesa, Pete Hegseth, chamou a estes ataques “declaração de vingança”, numa publicação nas redes sociais. Mais precisamente, escreveu: “Isto não é o início de uma guerra — é uma declaração de vingança”.
A actual guerra em Gaza começou em 7 de Outubro de 2023 com o lançamento de cerca de 4.300 foguetes contra Israel e incursões de militantes em parapentes e transportados por veículos motorizados. Durante dois dias os militantes palestinos atacaram civis nas comunidades israelenses e bases militares; mais de 1.000 civis e 350 soldados e polícias israelenses foram mortos, inclusive num festival de música. Por fim, cerca de 200 civis e soldados foram levados para a Faixa de Gaza como reféns, tudo isto ao arrepio das normas mais elementares Direito Internacional.
A resposta israelita foi dura e continua a entrar diariamente nas nossas casas, mas parece estar a ser desproporcionada: 1.350 mortos israelitas levaram, na resposta de Israel, a mais de 70.000 baixas palestinianas; dá uma proporção de cerca de 52 para 1. Será esta a medida do Direito e a cotação das diversas vidas humanas, neste conflito?
Pode parecer uma questão bizantina, ou mesmo algo hipócrita. Mas lembremos que nem o mais agressivo dos países do Mundo tem um Ministério do Ataque: tem sempre um Ministério da Defesa...
Resta saber se Pete Hegseth tem como referência bíblica o Antigo ou o Novo Testamento.