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Renovar a nossa frota, defender os pescadores

A Madeira foi, desde sempre, uma Região virada para o mar. O setor das pescas tem sido um pilar da nossa economia e, sobretudo, da nossa cultura. Gerou emprego, fixou população nas zonas costeiras, sustentou muitas famílias e ajudou a preservar tradições que ainda hoje definem quem somos. E continua a ser essencial para a nossa gastronomia, que tanto nos distingue e orgulha.

Costumo dizer que falar de pescas, na Madeira, é falar dos pescadores que enfrentam o Atlântico todos os dias. Muitas vezes em condições difíceis e desafiantes, com a mesma coragem e relação profunda com o mar que sempre definiram o ser português ao longo dos séculos. Contudo, todos sabemos que o setor atravessa vários desafios. As margens de rentabilidade são curtas, os custos com os combustíveis aumentaram, a frota está envelhecida e as exigências, a nível ambiental e do próprio mercado, são cada vez mais rigorosas.

Para além disso, existem decisões a nível europeu que afetam o dia a dia dos nossos pescadores, como é o caso das quotas de pesca. Mas importa esclarecer este ponto. A definição das possibilidades de pesca é uma competência exclusiva da Comissão Europeia. Tem por base pareceres científicos sobre o estado dos stocks e é o Conselho, ou seja, representantes dos diferentes países da União Europeia, após pareceres da Comissão, que determina as quotas de pesca. Enquanto eurodeputado, posso fazer pressão para defender os nossos pescadores, exigir exceções para regiões que usam artes de pesca sustentáveis e que lidam com espécies migratórias como é o caso da Madeira e dos Açores.

Mas a decisão final não passa pelo Parlamento Europeu. Nós não participamos diretamente nessas negociações anuais, mas podemos influenciar diretamente as políticas nas quais elas se enquadram, por exemplo, como deve evoluir a Política Comum de Pescas, mas também participar na reforma dos instrumentos financeiros, nomeadamente o FEAMPA. Do mesmo modo, podemos ter uma voz ativa na forma como se devem conciliar os objetivos ambientais, económicos e sociais da União Europeia, para garantir que a transição é feita com as nossas comunidades e não à custa delas.

É neste contexto que tenho procurado intervir, tal como recentemente através do relatório sobre a modernização e descarbonização da frota pesqueira europeia, do qual sou relator pelo meu grupo político.

A modernização da frota é, antes de mais, uma questão de sustentabilidade e de dignidade. Não se trata apenas de substituir motores antigos ou de reduzir emissões. Trata-se, em primeiro lugar, de garantir que os nossos pescadores podem trabalhar em segurança, com condições de trabalho, de higiene e de descanso que merecem.

Por isso, propus uma abordagem justa e gradual à descarbonização. Queremos reduzir emissões e preparar a transição energética do setor, mas sem colocar em causa a sobrevivência dos pescadores nem aumentar as desigualdades entre regiões.

As frotas de pequena escala, como a nossa, precisam de tempo, de apoio e de flexibilidade para se adaptarem. Esta transição só será bem-sucedida se for também uma transição justa que beneficie a nossa comunidade.

Essa transição envolve necessariamente a renovação das frotas europeias. Grande parte das embarcações madeirenses, tal como a própria frota da União Europeia, tem mais de 30 anos.

É preciso ter em atenção que a idade não significa que as embarcações estão necessariamente em mau estado, e é preciso dizer que os armadores fazem um excelente trabalho de manutenção dos seus barcos. Mas significa que essas embarcações têm limitações evidentes quanto ao conforto, à eficiência energética e às condições de trabalho que podem oferecer a bordo. E é precisamente por isso que a modernização da frota deve ser encarada como uma necessidade.

Defendo, por isso, a flexibilização das regras do FEAMPA, permitindo apoios públicos à modernização das embarcações desde que não aumentem o esforço de pesca. O objetivo não é maior capacidade de captura, é fazê-lo com mais segurança, conforto e eficiência. Melhores condições de trabalho, mais segurança, higiene e descanso a bordo, sobretudo nas pequenas embarcações, são prioridades absolutas. Nenhum pescador deve arriscar a vida para garantir o seu sustento.

Outro princípio fundamental do relatório é a prioridade de investimento nas frotas das regiões ultraperiféricas. As nossas condições geográficas e económicas são únicas. Longas distâncias, custos acrescidos, dependência energética e menor escala de operação. Por isso, defendo que as regiões ultraperiféricas devem beneficiar de medidas adaptadas às suas condições, e apoio preferencial, garantindo que a coesão se aplica também no mar. Quero assegurar igualmente apoios ao investimento nas infraestruturas portuárias.

Este relatório, já aprovado na Comissão das Pescas, será votado na próxima sessão plenária do Parlamento Europeu. Espero que a resposta da Comissão Europeia e do Conselho seja positiva e que ponham em marcha as mudanças necessárias.

Enquanto eurodeputado madeirense, tenho procurado garantir que a voz da Madeira é ouvida em Bruxelas, e continuarei a fazê-lo, porque acredito que o futuro deste, e de outros setores, depende da capacidade de construir políticas europeias com base na experiência local, contactando quem trabalha diariamente e tendo em conta as nossas especificidades.