70% dos refugiados sírios que regressaram enfrentam escassez de alimento
Mais de 1,2 milhões de refugiados sírios já regressaram ao seu país desde a queda do regime de Bashar Al-Assad em dezembro passado, mas 70% relatam enfrentar grandes dificuldades, incluindo escassez de alimentos, indicou hoje a ONU.
Os dados foram fornecidos pela diretora de financiamento do Escritório de Assuntos Humanitários das Nações Unidas (OCHA), Lisa Doughten, durante a reunião mensal do Conselho de Segurança da ONU sobre a situação política e humanitária na Síria.
A mesma representante especificou que mais de 1,9 milhões de pessoas que estavam deslocadas internamente também conseguiram regressar aos seus locais de origem.
Porém, estas pessoas, muitas das quais estavam refugiadas em países vizinhos, precisam de apoio para reconstruir as suas vidas, incluindo de ajuda humanitária.
De acordo com a ONU, 70% dos refugiados que regressaram ao país dizem enfrentar escassez de alimentos, sendo que a maioria relatou ter as suas casas danificadas ou destruídas e não ter oportunidades viáveis para gerar rendimentos.
Com o regresso destas pessoas, mais de 400 campos de refugiados e outros locais que albergavam deslocados no norte da Síria foram encerrados, um indicador de progresso no país.
Mas mais de 1,2 milhões de pessoas -- três quartos delas mulheres e crianças -- ainda continuam a viver em campos de acolhimento.
A ONU e organizações parceiras têm alcançado uma média de 3,4 milhões de pessoas por mês em toda a Síria -- mais 24% do que no mesmo período do ano passado. Apesar do financiamento mais reduzido, esse alcance foi possível graças à melhoria do acesso e das condições operacionais.
Na reunião no Conselho de Segurança, Lisa Doughten lamentou a falta de apoio financeiro internacional à causa síria. A pouco mais de um mês do final do ano, o apelo da ONU para a Síria recebeu apenas 26% do financiamento necessário.
Entretanto, as munições não detonadas e o armamento abandonado nas cidades sírias continuam a pôr em perigo pessoas em todo o país.
Só na semana passada, seis pessoas -- incluindo uma criança -- morreram e outras 11 ficaram feridas em seis províncias.
Desde dezembro do ano passado, as munições não detonadas mataram mais de 570 pessoas e feriram outras 960, segundo a ONU.
Na reunião participou também a enviada especial adjunta da ONU para a Síria, Najat Rochdi, que, por videochamada, alertou para a "enorme dimensão dos desafios" no país e para a necessidade de um processo de transição política verdadeiramente inclusivo.
Najat Rochdi afirmou que tensões, anarquia e alguma violência persistem em várias zonas sírias, com trocas de tiros esporádicas entre as forças nas linhas da frente.
Além disso, a presença contínua de grupos e combatentes terroristas continua a ser uma fonte adicional de preocupação para a ONU.
Ambas as representantes da ONU pediram hoje à comunidade internacional para que se envolva diretamente com as autoridades e com um vasto leque de sírios para ajudar a mudar definitivamente o rumo do país.
Já o representante sírio na ONU, Ibrahim Olabi, acusou hoje Israel de continuar a violar o acordo de não-agressão celebrado em 1974, incluindo através de rusgas, postos militares na zona de separação, ataques, detenções arbitrárias, deslocação forçada e destruição de propriedade.
Ao longo de todo o processo, a Síria manteve-se empenhada em "soluções pacíficas e diplomáticas", argumentou o diplomata, assegurando que Damasco "não representa qualquer ameaça para nenhum país da região".
Nesse sentido, pressionou o Conselho de Segurança a tomar medidas "firmes e imediatas" para travar tais violações, pôr fim à ocupação e fazer cumprir o acordo de 1974, que determinou uma zona desmilitarizada supervisionada pela ONU na divisão da Síria e Israel.
A Síria é atualmente presidida interinamente por Ahmad al-Sharaa, que liderou uma coligação de grupos rebeldes que derrubou o regime do antigo presidente Bashar al-Assad em 08 de dezembro de 2024.
Al-Assad, que tinha herdado o regime fundado em 1971 pelo pai, Hafez al-Assad, fugiu na altura para a Rússia, que lhe concedeu asilo político.
O novo Governo interino sírio tem procurado dialogar com a comunidade internacional e tem tentado unir o país muito fragmentado, que regista ainda episódios de violência sectária um pouco por todo o território.