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Crónicas

Não é o fim, é um portal

A idade não nos limita. O corpo também não. Limitam-nos as histórias em que ainda acreditamos

“Não me lembro se já partilhei contigo…” dizia há dias a uma amiga 15 anos mais nova. Do outro lado a pronta resposta:

“Disseste. Já é a segunda vez. Estás com memória de peixe, Rita!” (Gargalhadas)

Não, não é memória de peixe. Foi um dos primeiros sintomas que tive e que ainda me acompanha, de algo para o qual a sociedade parece começar agora a despertar: a perimenopausa. Ups…

Eu sei, há palavras que a cultura transformou em tabu, quando na verdade carregam em si a chave de uma profunda sabedoria. Perimenopausa e menopausa estão entre elas. Durante demasiado tempo foram silenciadas ou sussuradas, como se fossem falhas do corpo, sinais de decadência, um caminho inevitável para a invisibilidade tão conveniente a sociedades patriarcais. Tememos, mesmo, o que desconhecemos.

Ora, se a ciência já demonstrou que a maioria das mulheres passa 40% da sua vida na menopausa, parece-me claro que está mais do que na hora de mudarmos o olhar, certo? Vamos junta/os!

Pensei, durante algum tempo, que poderia estar a desenvolver alguma espécie de demência. Tinha momentos - o mais honesto é assumir: ainda tenho! - em que me sentia completamente desorientada. Não me reconhecia. Desatei a pesquisar tudo e um par de botas sobre o que se passava comigo. Além do nevoeiro mental e dos esquecimentos, vinham as palpitações (ainda aqui andam, mas já ‘tomamos chá’), a fadiga e o cansaço extremo (não que não tivesse motivos reais, ainda assim sentia que era demasiado), o sono interrompido a cada três horas, mudanças repentinas de humor. Por fim, as análises hormonais, os valores a confirmar a perimenopausa e a consciência de que temos mesmo, mesmo que abordar, a partir de um lugar de consciência e conhecimento, sobre esta etapa da vida que transforma tudo.

E como tenho a convicção de nada é por acaso, chegou-me às mãos um livro que considero um bom encontro e cuja leitura recomendo a todos, mulheres e homens: “A Mãe está a Arder”, da autoria de Mikaela Övén, acabado de publicar pela Albatroz.

Temos todos que perceber e aceitar que o corpo feminino não é uma máquina defeituosa que perde funções com a idade. É, antes, um território de ciclos, de mudanças, de passagem e profunda sabedoria ancestral. A menopausa não é o fim, é uma nova abertura, um portal para outra forma de viver a vida.

Através de uma escrita íntima e prática, sinto neste livro um manifesto que nos convida a compreender que a perimenopausa e a menopausa não são um acidente biológico, mas antes uma etapa natural e desejável, uma estação de maturidade. Mikaela fala desta realidade com leveza e consciência. Apoia-se em investigação científica e mostra, com clareza, que há demasiados mitos por quebrar. Acrescenta ainda tradições e rituais de transição, maravilhosos, que várias culturas encontram para celebrar e experienciar esta fase da vida e fala-nos de muitos dos 76 sintomas identificados.

Um livro com exercícios e meditações que nos guiam nesta transição e revelam que o fogo interno não é só o das ondas de calor, mas o da consciência que desperta. Que o convite não é para tentar apagar incêndios, é para aprender a dançar com as chamas. Que o corpo muda, sim, mas muda também a forma como nos colocamos no mundo. É que “esta fase não é sobre perder quem éramos, é sobre ter a coragem para sermos o que nunca nos deixámos nem nos deixaram ser”.

Se conseguíssemos, enquanto sociedade, dar lugar a esta etapa da vida como uma prova de sapiência, teríamos comunidades mais maduras, mais conscientes, mais íntegras. Até porque as mulheres precisam sentir-se emocionalmente acompanhadas. As mulheres na menopausa trazem a experiência, a visão de conjunto, a coragem de dizer o que importa a cada momento. É um erro enorme desperdiçarmos essa força.

O que Mikaela propõe é um caminho de desenvolvimento pessoal: reconhecer-nos neste processo, aceitar que não estamos sozinhas, descobrir recursos práticos para cuidar de nós, rir com as histórias partilhadas, encontrar sentido na transformação. Porque estar juntas, nesta caminhada, é também isso, devolver à palavra menopausa a dignidade que sempre mereceu. Como lembra Patricia Akins, a menopausa é como as folhas do outono a cair; é uma queda natural do velho para abrir espaço ao novo.

Quanto a mim, depois de pesquisar muita literatura científica, conversar com vários especialistas, de várias nacionalidades, fazendo uma retrospectiva aos eventos de maior significado da minha vida, sei hoje que a minha perimenopausa começou pouco depois dos 40. E agora, a seis meses de fazer 50, estou a aprender a tirar partido do meu nevoeiro mental. Tudo em si contém o seu oposto. Descobri que este nevoeiro também me centra e ajuda a gerar leveza em situações que antes faziam disparar um gatilho de fúria. E já agora, confirmo: ‘o fim da festa’ é só mais um valente mito! Foi preciso chegar a esta fase da vida para viver, pela primeira vez, este espaço sagrado de encontro, onde dois corpos, o desejo e as almas se fundem num só, fazendo parar o tempo e cristalizando o que nos torna humanos. A propósito, Mikaela lembra as sábias palavras de uma das mais conceituadas terapeutas de casal, Esther Perel: ‘Para se querer ter sexo, tem de ser sexo que valha a pena querer.’

Talvez seja mesmo esse o maior segredo desta fase da vida: perceber que o corpo continua a falar connosco. A vida não perde intensidade, apenas muda de linguagem. E que, se soubermos escutar o corpo, podemos incendiar não só as nossas casas internas, mas também as sociedades onde vivemos, com maturidade, sabedoria e amor.