Inteligência Artificial - temos direito a um futuro?
A discussão sobre a inteligência artificial no Estado não é técnica é civilizacional. Quando a Amazon anuncia planos para automatizar centenas de milhares de funções logísticas, com mais de um milhão de robots já em operação e testes com humanoides, percebemos que a substituição do trabalho humano já não é ficção científica: é estratégia económica com impacto social profundo.
No setor privado, a prioridade é a eficiência e a eficácia. No setor público, o imperativo é outro: confiança, equidade e continuidade do serviço. Se importarmos a lógica da automação sem balizas éticas e democráticas, arriscamos criar um Estado mais barato, mas também mais frio e desumanizado.
A primeira obrigação é, pois, definir limites claros. A União Europeia já traçou um caminho com o AI Act, proibindo usos inaceitáveis e regulando os sistemas de alto risco. No contexto do emprego público, isso deve traduzir-se num princípio inegociável: qualquer decisão que afete direitos na saúde, na justiça ou na segurança social deve manter o direito a uma decisão humana, auditável e com possibilidade de recurso. Não basta um “humano no circuito” a carimbar o que a máquina decide.
A segunda obrigação é a prudência. Devemos estabelecer regras de não substituição cega, em que a automação só avança após estudos de impacto social e testes controlados. Precisamos de auditorias algorítmicas independentes, registos públicos dos sistemas de IA usados pelo Estado e garantias de que nenhum cidadão será avaliado por modelos opacos ou descontextualizados.
O terceiro passo é colocar as pessoas no centro. A OCDE tem alertado: o risco de automação é real, sobretudo em tarefas repetitivas. Contudo, se houver uma política séria de requalificação, esta transição pode criar novas oportunidades. Propõe-se, por isso, a criação de um Fundo de Transição do Emprego Público em IA, que permita reconverter trabalhadores em funções de maior valor humano como mediadores digitais, analistas de dados clínicos ou gestores de casos complexos.
Por fim, é preciso garantir soberania tecnológica e resiliência. O Estado não pode tornar-se refém de fornecedores nem correr o risco de ver decisões públicas suspensas porque uma plataforma alterou o seu funcionamento.
Automatizar não é desumanizar. O futuro que queremos é um Estado mais inteligente porque é mais humano um Estado que use a tecnologia para libertar tempo
para a relação com as pessoas, não para se esconder atrás de um algoritmo. Se a automação não reforçar a justiça, o acesso e a dignidade, então não é progresso é apenas um atalho perigoso.