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Flecha, Palavra e Oportunidade

“Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.”

Há quem atribua esta expressão a Confúcio. Mas a verdade é que ninguém consegue, sem sombra de dúvida, garantir a sua origem. Importa perceber que a frase, ou melhor, que este princípio revela a importância de considerarmos as nossas ações, o que é e foi dito e o que se perde, por conta ou da palavra ou da ação, ou de ambos (o que é ou não dito e feito).

A vida ensina-nos que a oportunidade perdida, normalmente, é consequência do que não já é possível retornar por conta dessa palavra ou ação que mata pela displicência e/ou pela arrogância.

Uma flecha, quando lançada, não há como trazê-la de volta. Isso simboliza a ideia de que certas ações têm consequências irreversíveis, e que quando se toma uma decisão ou se age de uma certa maneira, já não há como desfazer isso que se decidiu e se fez. Está dito. Está feito. Não há como apagar isso. Não é possível ao humano, sentir a angústia da decisão. Kierkegaard viu isso como ninguém. A angústia é a angústia do futuro, não de acontecimentos do passado. Ela é a possibilidade de falhar. Mas ela é, também, o que torna o homem livre. Livre porque pode decidir. Ou seja, toda e qualquer decisão fundamental implica, portanto, um sentimento de angústia prévio.

Podemos sentir desespero pelo que se passou, mas que já não podemos alterar. Claro que sempre podemos corrigir o que fizemos, mas nunca podemos anular o ato de decisão então tomado. Daqui decorre que, “quando se usam armas é preciso saber o que se quer”. Esta lógica niilista identifica a reflexão e ponderação como momentos da ação que debatem de forma clara com a permanência das consequências. Trata-se de consciência.

Consciência que se revela ainda no uso da Palavra. A palavra mal dita e maldita. A palavra que fere, ou a palavra que conforta, que inspira e que liberta. A Palavra que rebaixa, ou a que ilumina um dia. A Palavra que é lançada como Flecha e que fica escrita. Que não se apaga da consciência de quem a recebeu e da boca que a proferiu. A palavra que lidera. Que se compreende como força (Dagerman, S.):

“E enquanto me for possível empurrar as palavras
Contra a força do mundo,
Esse poder será tremendo,
Pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior
Do que quem se bate pela liberdade.”

Em mês de Liberdade, ouvimos falar de Passos que estropiaram famílias inteiras. Que se orgulharam de cortar a árvore quando lhe pediram apenas que os ramos fossem podados. Que vêm agora dar receitas sobre a moralidade e liberdade de um povo em palavra escrita. “Se, antes de iniciarmos um debate sobre o problema da liberdade, quisermos propor uma definição de liberdade, suficientemente ampla para que se aplique a todas as formas de liberdade, só poderemos adoptar uma definição negativa: a liberdade é ausência de opressão.” (Huisman, D.)

A palavra pronunciada é o real e diz, por ti, quem tu és. Como libertamo-nos conscientemente de tudo o que nos chega a influenciar, quando sabemos que uma palavra, uma frase, mas também um olhar não bastam para firmar simpatias, ou aversões ou até ódios duradouros? Qual o equilíbrio entre o pensamento e a palavra dita/ escrita? O que se ganha e o que perde com o discurso que inclui e que exclui? A palavra e o gesto humano conservam a ordem da natureza e são a possibilidade de a Justiça e a Dignidade decidirem sobre si e sobre a vida dos outros.

Sobre a oportunidade perdida, falaremos depois do dia 26 de maio.

Para reflexão, algo mais ou menos assim: “O cavalo arreado passa duas vezes à porta: a primeira vez por montar e a segunda vez já montado”.