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Envelhecer não é um problema

Os cuidadores informais não são valorizados nem têm o apoio que precisam

Envelhecer tem vindo a tornar-se uma etapa da vida que, apesar da inevitabilidade, se pretende ignorar. O nome que se vai dando ao processo, desde a terceira idade à idade sénior, surge como uma fuga ao termo velho, atualmente assumido como algo, negativo, triste, que transporta limitações, doença e nos aproxima da morte.

Chegamos aqui, na nossa cultura, através de um desenvolvimento social investido em valores da juventude, da estética, e da noção permanente de antienvelhecimento. A tendência tem sido fugir à realidade e comprovar que é possível crescer na idade fazendo de conta que tal não está a acontecer. Hoje ser velho é ser incapaz, inútil, um problema para as famílias e até para a sociedade, que não apresenta soluções válidas e adequadas para as solicitações que o envelhecimento exige.

Não foi sempre assim. Ser velho já foi sinónimo de sabedoria e experiência. Os velhos não eram excluídos e a palavra significava respeito pelo percurso e pela partilha. Era bom tê-los por perto, por casa, na família. Ajudavam a cuidar dos netos e os netos ajudavam a cuidar dos avós. Cuidavam da alegria de uns e de outros. Estavam naturalmente incluídos. Faziam parte. A sua palavra e conselhos tinham valor e utilidade. As suas histórias, tantas vezes repetidas e algumas vezes suportadas entre a realidade e a fantasia, assumiam um lugar de relevo equivalente aquele que as crianças também ocupavam com as suas descobertas. Assim se organizavam as famílias. Com mais ou menos possibilidades económicas, ser velho não era um problema, era um facto.

Hoje muita coisa mudou. Rotinas exigentes e preenchidas, fracos recursos económicos para uns, e recursos ajustados para outros, ambos com pouca disponibilidade para cuidar. Ter filhos já começa a ser sentido como um problema, cuidar dos velhos uma realidade a evitar. Assim as crianças passam cada vez mais tempo nas creches, escola, ou ateliers de ocupação e os idosos nos poucos centros de dia que vão existindo por aí.

Quando a doença surge, o problema agudiza-se e não existem em Portugal soluções ajustadas e capazes de cuidar de pessoas envelhecidas e doentes que merecem respeito, carinho e reconhecimento. Os cuidadores informais não são valorizados nem têm o apoio que precisam. As instituições orientadas para os cuidados continuados são insuficientes e as famílias, mesmo aquelas que têm possibilidades económicas, estão cada vez menos disponíveis. Os velhos vão ficando cada vez mais sem solução acabando muitos por ir ficando nos hospitais que, por ausência de respostas, assumem esta função.

As crianças que crescem com os avós só têm a ganhar na compreensão do sentido da vida. Este ciclo que está a criar cada vez mais constrangimentos e desorientação, obriga a que “se perca” algum tempo a refletir na circularidade da existência. Não vale a pena fugir ou ignorar, chegar a velho mais que um facto é um privilégio.