Análise

Há mais vida para além das estatísticas

Os indicadores não são simpáticos e garantem que o número de famílias com uma taxa de esforço superior a 50% vai aumentar até ao fim do ano. A estimativa do Banco de Portugal confirma o pior dos cenários para os (muitos) que têm crédito à habitação e revela a impossibilidade de agregados com salários médios terem, actualmente, acesso a uma casa. O momento social torna-se ainda mais penoso quando o Barómetro Europeu sobre Pobreza e Precariedade refere que os ordenados de metade(!) dos portugueses não chegam para pagar todas as despesas mensais.

O quadro é preocupante, juntando-se o aumento generalizado do custo de vida à ineficácia da política fiscal actual, que é de confisco na maioria dos casos. Sobre isto não há dúvidas. A realidade contraria o discurso risinho e “irritantemente optimista” dos governos.

Pagamos demasiados impostos, sem que o retorno desse pagamento seja suficiente para suprir as necessidades básicas de uma vasta maioria. Que possibilidade real tem uma família madeirense da classe média, com quatro elementos, de pôr um filho a estudar no exterior? Se essa família tem um crédito à habitação por satisfazer, agravado nos últimos meses, todas as despesas inerentes ao dia-a-dia, mais um filho em idade escolar, que disponibilidade financeira dispõe para suportar propinas, alojamento, alimentação e transportes em cidades como Lisboa, Porto ou Coimbra, onde um quarto minimamente digno chega aos 500 euros mensais? Mesmo com uma bolsa de estudo não consegue aguentar tamanho encargo, hipotecando, por essa via, o futuro dos jovens, que acabam por escolher um curso não desejado na Universidade da Madeira ou por entrar num mercado de trabalho onde a precariedade dá cartas.

Muitos mais exemplos poderia aqui descrever que atestam o agravamento da precariedade de uma franja muito significativa que trabalha, mas não tem dinheiro para viver com dignidade.

A guerra na Ucrânia não serve de desculpa para tudo. Cabe aos governos, também ao da Madeira, encontrar soluções palpáveis e urgentes que mitiguem a penúria e tragam uma nova esperança à população. Há mais vida para além das estatísticas, do défice, das contas certas, dos recordes de entrada de turistas e de companhias aéreas.

As famílias precisam de ajuda agora, não precisam de grupos técnicos que estudem as suas necessidades.

A descida dos impostos é fundamental e aqui a Madeira pode, sim, fazer-se muito mais, designadamente a nível do IRS. Que não mexa nas taxas do IVA (nenhum governo gosta de o fazer porque perde milhões à cabeça), mas que intervenha no rendimento das pessoas.

Nesta época de eleições observe, caro leitor, os programas eleitorais dos diferentes partidos e reflicta sobre as suas potencialidades e aderência à realidade. Há quem prometa o céu na terra e avance com medidas de impossível aplicação.

Que o período mais frenético da campanha que hoje se inicia se reja pelo bom-senso e pelo esclarecimento cabal das propostas. O resto será ruído e perda de tempo.

2. O Chega vai a votos e ainda bem. Veremos quanto vale o efeito André Ventura na Madeira, já que as ideias até agora propaladas por aquele partido conotado com a extrema-direita são tão genéricas que não se consegue extrair uma proposta concreta, com pés e cabeça. Uma leitura rápida pelo programa eleitoral e percebemos que o Chega apenas diz o que os cidadãos afectados pela inflação e pelo altíssimo custo de vida querem ouvir. Não aprofunda, não detalha, nem explica como vai lá chegar.

3. A passagem relâmpago de António Costa pela campanha do PS-M foi uma perda de tempo. Para ele, para os socialistas candidatos e para os madeirenses. O primeiro-ministro não deu uma única novidade, não anunciou qualquer medida, limitando-se a falar de um assunto que já repetiu à exaustão: a comparticipação do Estado ao novo hospital. Nada de novo. A incursão do secretário-geral não mobilizou, não entusiasmou, não consolidou ideia nenhuma, ao contrário do comprometimento que assumiu em 2019, quando o seu secretário de Estado Paulo Cafôfo encabeçou a lista de candidatos. O que por si é um sinal com muito significado político.