Fact Check Madeira

É ilegal comercializar vinho seco?

Foto Arquivo DN-Madeira
Foto Arquivo DN-Madeira

À beira de mais uma Festa da Uva e do Agricultor, certame que se realiza este fim-de-semana, uma vez mais, no Porto da Cruz, o assunto volta a ser recuperado por muitos madeirense: continua a ser ilegal comercializar o vinho feito a partir das castas de uva americana ou jaqué?

A questão levanta-se, num primeiro momento, por um internauta na página de Facebook 'Ocorrências na Madeira', onde alega não perceber quais as razões para que se coloque "um travão" na comercialização do popular 'vinho seco'.

Os motivos remetem-nos para as normas europeias, onde logo após a entrada de Portugal para o lote de Estados-membros o assunto estava a ser discutido e foi logo regulamentado por Bruxelas em 1990, onde se pode ler claramente nas páginas 58 e 59 do documento [clique aqui para descarregar] quais as castas que podem ser utilizadas para produção de vinho em espaço europeu - onde não figura a casta de uva americana introduzida em solo madeirense para combater a praga da filoxera.

Estávamos na década de 90 do século passado e Bruxelas começava a implementar o Programa Operacional da Viticultura - de reconversão das vinhas - e onde ficava bem explícito que, a partir de 1 de Janeiro de 1996, a Madeira tinha mesmo de substituir as castas de uva americana.

Não vamos arrancar aquilo que é típico e que não entra no mercado europeu, porque este tipo de vinho serve apenas para consumo local. Alberto João Jardim, ex-presidente do Governo Regional (10 de Setembro de 2001)

No entanto, após vários pedidos de prorrogação da Região endereçados para a União Europeia, o limite para essa 'substituição' que abrangia até 75% do investimento terminou em 2013, mas pelo caminho rendeu, pelo menos, 4.850 contos em fundos comunitários por hectare.

Em causa estariam, sobretudo, duas questões: efeitos na saúde e certificação de qualidade na hora de comercializar o produto. No primeiro caso, o vinho produzido através de castas de uva americana está interdito pela União Europeia pela presença de malvina que provoca efeitos nefastos sobre o sistema nervoso. Outro dos motivos prende-se com a elevada quantidade de metanol, que causam graves danos na visão.

Quanto à certificação de qualidade e posterior comercialização, as normas são claras e é aqui que chegamos à questão central deste Fact Check. A sentença de morte para a venda legal do 'vinho seco' chegou em 2015, com a publicação do novo Estatuto da Vinha e do Vinho, mas pelo meio implicou, mais concretamente em 2009, a demissão do então presidente do Instituto do Vinho e Bordado da Madeira (IVBAM), Paulo Rodrigues.

Através dessa portaria publicada por Paulo Rodrigues, entretanto guardada na gaveta por mais alguns anos, ficaram definidas as regras para o controlo da venda a retalho de vinhos produzidos na Madeira e no Porto Santo. No fundo, seria uma forma de limitar a disseminação do consumo do vinho seco à população, mas o tema acabou por afastá-lo do cargo que ocupava desde 2003. 

Embora não tenhamos dados concretos, avaliando a ‘concorrência’ que existe no mercado por parte de vinhos com qualidade, de castas europeias e aos preços praticados, tenho em crer que existe uma diminuição do consumo de vinho seco. Paulo Rodrigues, ex-presidente do IVBAM (1 de Julho de 2009)

Feito o primeiro esclarecimento sobre a questão, voltemos a nos centrar na publicação efectuada no grupo de Facebook 'Ocorrências Madeira' e vamos tentar perceber se, efectivamente, nos Açores é possível comercializar vinho seco e com rótulo, ao contrário do que se sucede no arquipélago madeirense.

Na verdade, as regras comunitárias que proíbem a comercialização de vinho feito a partir de castas de uva americana aplicam-se em ambas as regiões, sem excepções. Nos Açores o 'vinho seco' dá pelo nome de 'vinho de cheiro' e continua a ser produzido de forma caseira, tal como na Madeira, embora exista um produtor - e bem conhecido dos madeirenses - que tenha ousado desafiar Bruxelas e comercializar um vinho proibido: António Maçanita.

Em declarações proferidas recentemente ao jornalista Marco Freitas e à página ‘Vinum Com Alma’, a venda ao público de 'Isabella a Proibida', néctar feito a partir de castas híbridas americanas, abriu um precedente que até então ninguém ousou explorar por existir, efectivamente, um vazio legal.

Pode-se comercializar o vinho a quem não está na União Europeia. Pode-se vender para os EUA, Canada e Suíça. Entendo que este vinho é cultura, sentido de sítio, deve ser preservado.  António Maçanita

Pelo facto de ter comercializado o vinho em território nacional, António Maçanita esteve com Termo de Identidade e Residência, o processo foi a tribunal e teve de pagar uma multa.

O vinho é comercializado, tal como já descrito, somente para fora do espaço europeu e é proibida a referência a qualquer origem geográfica, daí que no rótulo surjam algumas informações 'censuradas', tal como o ano de colheita e a própria casta 'Isabella', originária de videira americana.

Tal como este, outros vinhos de cheiro também se encontram à venda no mercado açoriano, mas apenas para serem consumidos no arquipélago ou exportados para fora do velho continente.

O vinho feito a partir de castas híbridas americanas não pode ser comercializado em território europeu, mas excepcionalmente, no caso açoriano, poderá ser produzido e consumido no arquipélago ou exportado para fora do velho continente, tal como acontece com o vinho de António Maçanita e outros tantos.