Crónicas

O que é (ou não) para a nossa idade

Existe sempre em nós a tentação de deixarmos de sonhar quando a vida não nos corre bem. É normal, como em qualquer outra coisa, que à medida que o tempo vai passando, a experiência de determinadas situações nos deixe marcas, sejam elas positivas ou negativas, o que não implica que tenham que ser necessariamente más. Esse peso que carregamos na mochila, acaba por nos transformar e moldar, faz de alguns mais predispostos a viver e a outros traz a angustia da tristeza e da dor emocional. O desgaste de casos mal resolvidos, de amarguras que ficam e que nos corroem por dentro, tem em si a capacidade de nos retirar energia que muitas vezes pouco ou nada tem a ver com o que de facto ainda conseguimos fisicamente fazer. É por isso que muitas vezes vemos pessoas com a idade mais avançada com espirito permanentemente jovem e outros mais jovens nos números do cartão de cidadão, mas que se deixam levar por uma cultura da idade que não lhes permite fazer determinadas coisas, seja pela censura instalada na nossa sociedade ou por bloqueios que são construídos através de percepções erradas ou cimentadas em conceitos bacocos e pouco evoluídos.

Quantas vezes não ouvimos dizer que este corte de cabelo já não é para a tua idade, que passar música ou fazer desporto já não se aplica a pessoas como tu, que esses sapatos são para os mais novos, que já não tens idade para pensar assim ou assado? A única coisa que já não é para nós é aquilo que fisicamente já não nos é possível fazer. Qual é o problema de começar um negócio aos 70 anos? De nos divertirmos com 80? De começar a namorar aos 60? Nenhum. Até porque na realidade nunca sabemos quando é que iremos morrer, por isso nunca poderemos saber quanto tempo ainda temos para nos entregarmos a isto ou aquilo. A forma como levamos os nossos dias e a nossa consistente capacidade em acreditar resulta no nosso inesgotável processo em sermos felizes. Quem desiste, quem acha que o seu tempo já passou, quem deixa de fazer, acaba por deixar de viver. Já sabemos que com o tempo a passar vamos tendo algumas limitações físicas inerentes, que estamos naturalmente mais próximos do fim. Isso não quer dizer que deixemos de cuidar de nós e que não nos possamos entregar à magia dos momentos com a mesma intensidade, a mesma dose de loucura (saudável) e com a mesma força.

O escritor moçambicano Mia Couto diz quase tudo isso numa frase. “A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar.” Nunca é tarde para sermos felizes, nunca somos velhos para fazermos aquilo em que acreditamos, para seguir os nossos sonhos e tentar concretizá-los por muito que aos olhos de outros estejamos a ser infantis. Deixarmos para os outros a construção que permanece em nós é parar uma vida que não volta para trás. A experiência ensina-nos a escolher certos caminhos e a rejeitar outros, a capacidade de não perdermos um segundo com o que não nos interessa ou não nos acrescenta, a fugir de certas e determinadas situações, a escolher amizades em detrimento de falsidades, a não permitirmos que nos enganem duas vezes da mesma forma. Mas essa mesma experiência ensina-nos também que podem existir várias receitas para o sucesso, para o nosso bem estar pessoal, para o gozo que retiramos das situações. E ensina-nos também que não se ganha sempre mas também não se perde sempre. Vai-se ganhando e perdendo, vai-se lutando e permanecendo.

Não existem coisas que não são para a nossa idade, existem coisas que já não temos capacidade para fazer. Existe também a capacidade de irmos aprimorando o nosso gosto e de não nos iludirmos com qualquer coisa. A magia está em retirarmos o máximo de proveito para nós e para os outros, de cada momento, de cada instante. Essa infância que permanece em nós não se esgota num número, antes vive na nossa consciência, nos nossos sonhos e no poder que temos em nós para os concretizar (e não nos deixarmos aprisionar…).