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Durão Barroso diz que BRICS mantêm "um certo ressentimento antiocidental"

Foto Arquivo/EPA/ANTONIO COTRIM
Foto Arquivo/EPA/ANTONIO COTRIM

O ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso vê no bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) "um certo ressentimento antiocidental", recomendando um olhar mais atento ao chamado "Sul global".

O ex-líder comunitário (2004-2014) e antigo primeiro-ministro (2002-2004), sustentou, em entrevista à Lusa, que "há uma questão importante nos BRICS, que é a possibilidade de procurar interpretar ou até dirigir um certo ressentimento antiocidental e é o que [os países-membros] estão a fazer de uma forma geral".

Este quadro agudizou-se com a invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado, mas com a "diferença curiosa" de não ter eco nas votações nas Nações Unidas.

Nestas, frisou, o Brasil - quer com o ex-presidente Jair Bolsonaro, quer com o atual, Lula da Silva - foi o único país dos BRICS que votou alinhado com a generalidade dos estados-membros na condenação da agressão de Moscovo - "embora procurando pontes nos dois lados" - enquanto a Rússia votou contra e os restantes se abstiveram.

Falando à margem da 6.º edição do EurAfrican Fórum, de que é presidente, José Manuel Durão Barroso referiu-se a uma "competição global que se está a fazer sentir agora" e que se manifesta igualmente num "certo papel" antiocidental.

"Querem pôr a responsabilidade seja no chamado imperialismo norte-americano, seja nas memórias do colonialismo europeu", analisou.

Questionado se, ao fim de décadas, esta atitude não pode ser inversamente vista como uma desculpa, o antigo político concordou: "Acho, acho e é precisamente por isso que são importante fóruns como este [EurAfrican, organizado pelo Conselho da Diáspora Portuguesa]".

Para o ex-presidente não executivo do grupo financeiro Goldman Sachs, à qual se mantém ligado, e líder da Aliança Global das Vacinas (GAVI) "ao fim destes séculos todos em que se passaram coisas muito más, europeus e africanos, por exemplo, têm interesse em construir, virar essa página e promover valores comuns, como a democracia e os direitos humanos como valores universais".

É por isso que considera importante dar atenção ao que se está a passar no "Sul global", onde cada país, independentemente da disputa em curso entre as grandes potências, se vai posicionar em função dos seus interesses e da sua vontade.

Aos europeus, cabe garantir "uma ordem multilateral que é estável e minimamente funcional", e a Portugal, em concreto, que classifica como um "país do partido africano", ser consistente na sua política externa e continuar a desempenhar "um papel positivo", dentro do "limite dos seus recursos próprios, dos seus recursos económicos e influência política e diplomática".

"A continuidade dos objetivos da política externa portuguesa é muito importante por isso", alegou, advertindo que se esta fosse alterada "como quem muda de camisa" em cada novo governo, "teria a sua credibilidade diminuída" e a sua ação seria menos eficaz.

Mesmo a União Europeia, sustentou, "com todas as suas incoerências, inconsistências e imprevisibilidades é sistemicamente mais previsível no médio prazo do que os Estados Unidos".

Isto embora os norte-americanos, enquanto "ainda, pelo menos por enquanto, maior potência global", se possam "dar ao luxo" de mudar a sua política externa, como sucedeu entre as presidências de Barack Obama, Donald Trump e agora de Joe Biden.

O facto de ser difícil mover alterações ao mesmo tempo no bloco europeu quando se trata do envolvimento de 27 países, observa, "dá também uma certa estabilidade".