Santos populares, avisos na caminhada

Em 1966, durante um curso de inglês, passeava por Highgate, norte de Londres, fiquei surpreendido de ver, numa igreja anglicana, a imagem de Santo António; e em 1992 na cidade de Colombo, Sri-Lanka, de maioria budista, na igreja católica de Santo António, mais me surpreendeu ver o rodopio de católicos, budistas e muçulmanos a venerar e beijar as suas sete imagens do santo. As festas de santos populares atraem práticas de culto cristão e arraiais de folguedo. Os mais populares gozam de dimensões globais, como Santo António, português de nascimento e formação, ao lado de S. João Batista e de S. Pedro, e outros. Quase todas as nações, áreas regionais e grupos cristãos festejam os patronos: Santo Agostinho do norte da África, Santo Ambrósio de Treveri, na Lombardia; S. Bento, na Itália e na família beneditina pela Europa e pelo mundo; S. Patrício na Irlanda, S. Bonifácio, inglês-alemão; Joana d’Arc, França; Cirilo e Metódio, centro-europeu. Alguns leitores já estão a sugerir que estou a esquecer S. Francisco de Assis, ultra popular, patrono de centenas de famílias franciscanas, S. Domingos dos dominicanos, S. João de Deus dos hospitaleiros, S. Vicente de Paulo dos vicentinos, S. Francisco Xavier do Oriente, etc.. E as santas? Santa Clara, S. Teresa de Ávila, Santa Teresinha do Menino Jesus, Santa Benedita da Cruz (Edith Stein), Santa Brígida, Santa Catarina de Sena, etc. etc. E os mártires do Japão e da Coreia com uma igreja-museu em cada um desses países em que tive o privilégio de celebrar. E os mártires do Vietnam e da Uganda, e, e…? Temos que parar. Quantos serão os santos canonizados, só na Igreja católica? Perguntem à inteligência artificial (IA). Provavelmente, mais de 20 mil. E ainda não referimos a Virgem Santa Maria, a Santíssima, com presença universal em milhares de santuários. A verdadeira e registada Dona de todo o mundo, ao lado de Cristo Senhor da História, «o único como norma da História», no dizer de Hans Urs von Balthasar (Teologia da História, 2010,16), «fórmula dura e misteriosa… que proclama este direito à soberania, (kiriotes)» acima de qualquer observatório científico, por partir da união da natureza divina e humana. Antes, no presente, e sempre.

Para que serve canonizar batizados cristãos? O mundo está cheio de luz, sombra e trevas: luz de Cristo nos santos canonizados, luz e sombras em tantos outros que a luz de Cristo vai iluminando. E as trevas de onde vêm? Da ausência de Cristo e da presença do demónio. Os santos são irmãos e avisos na caminhada humana; cada um é “enviado com Cristo ao mundo e está a caminho”. Avisos verdes, amarelos e vermelhos, a dizer: continua, atenção, pára, decide bem. Avisos visíveis, de carne e osso, mas com alma (não são animais). Os santos podem ser estudados pelas ciências biológicas e humanas, mas à luz de Cristo. Será difícil encontrar estudos tão aprofundados como se fazem nos processos de beatificação e canonização. Quase todas as ciências são chamadas a contribuir. Serão de condição corrupta, essas pessoas? Alguns, talvez, antes da sua conversão. De resto, no processo: corrupção descoberta, processo anulado. Os santos como unidades de corpo e alma e membros do Corpo místico de Cristo, que assumiu a natureza humana de todos e de cada homem («foi a Mim que o fizestes…» Mt.. 25), participam da ação de Cristo na terra: «Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo» (Mt, 13-16). Não quadra aos santos o conceito de não praticantes, só o de arrependidos e emendados. Foram pecadores e progrediram na santidade até serem santos, isto é, de vida inteira (íntegra, holística), harmonia do humano e divino, em devir e a tornar-se divinizada. Santos em Cristo: ramos da Videira que alimenta a vida nova com a sua palavra, corpo e sangue, e fecunda o sim de aceitação de que sem Ele nada podem fazer (cf. Jo. 15, 5). Santos sem Cristo? Impossível. E a Igreja reza: “creio na comunhão dos santos”.

Por entre folguedos, alegria virtuosa e marchas populares, os santos trazem alegria autêntica e fazem a diferença no mundo perante as ameaças atuais mais prementes: crises de sentido, guerras, violências e corrupção mentirosa generalizada. Será que a ameaça da IA (inteligência artificial) ameaçará a seguir? Cientistas, literatos e artistas, aderentes à dura verdade, podem associar-se à missão dos santos como avisos sérios nos caminhos tortuosos da humanidade; e ajudar a manter alegria e esperança. Como? Sendo íntegros e evitando satirizar alvos sagrados. As festas dos santos populares, com folguedos de alegria e fraternidade, podem apresentar algumas sombras, mas a maior ameaça é a recusa e o cancelamento violento e satírico de imagens de santos. A maior luta não é só entre o bem e o mal, mas entre o bem e o mal no coração do homem de onde sai o sim e o não a Cristo. “A santidade na Igreja, pelo batismo, pela Eucaristia, pela missão cristã, pela in-habitação da palavra de Deus nos corações, não é uma santidade ao lado de outras santidades” (Balthasar, o.cit.p.107).

Aires Gameiro