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A perversão de uma geração

O mundo, com toda a sua desgraça de antigamente, era um sítio mais feliz do que o é atualmente

O mundo moderno é um mundo perverso. Quando nos referimos ao conceito de “mundo moderno”, há que notar que este não remete somente para a era que se iniciou na viragem do último século, mas sim para uma época que se iniciou já pelo menos desde o fim do século XIX. Contudo, foi nestes últimos 23 anos que atingimos, para já, o nosso máximo de mesquinhez algo que alcançamos através das redes sociais que infelizmente transmitem aquilo que o ser humano tem de pior quer de adulto para adulto quer, mais grave ainda, de adultos para crianças e jovens.

Como todos sabem, as redes sociais digitais são algo relativamente recente na nossa evolução enquanto sociedade. Vieram, sem dúvida, revolucionar a forma como interagimos uns com os outros, o que, evidentemente, é algo positivo em muitos casos. Todavia, à medida que este tipo de tecnologia se foi desenvolvendo, algo com potencialidades mais perigosas, principalmente quando orientadas para fins mais egoístas, desenvolveu-se fora dos olhos da população: os algoritmos.

No passado, já abordei estes algoritmos como tema de artigos, porém, com o objetivo de que se compreenda o problema, relembro agora a forma como interagem nas redes sociais e como modelam a forma como o conteúdo é apresentado. As redes sociais constroem-se totalmente ou parcialmente em torno de conteúdos monetizáveis utilizando para isso algoritmos – sistemas automáticos do site que “decidem” que conteúdo recomendar – que idealmente guiarão o utilizador ao conteúdo que ele prefere ver com base no seu histórico de pesquisas na dita rede. Contudo, com o objetivo de maximizar as receitas da empresa-mãe, começaram-se a criar algoritmos tendenciosos que recomendam preferencialmente conteúdos dos extremos e polarizantes. Porquê? Porque aquilo que gera choque, gera visualizações e dinheiro ao mesmo tempo que se criam ondas de interações nocivas (a favor e contra) entre utilizadores que se vão multiplicando e que “alimentam” o algoritmo, reiniciando o ciclo. Enquanto isso, começa-se a formar um subproduto de discórdia social que atinge níveis artificialmente amplificados em relação àquela que era a discórdia social “pré-digital”. Isto é, surge uma discórdia dos extremos e da inimizade.

Há poucas dúvidas relativamente a este ser um problema social, principalmente quando o que se verifica é que as redes sociais são as responsáveis por criar e entornar o caldo metafórico no mundo real que se manifesta em momentos de violência irrelevante como aqueles que tendem a ter como protagonistas radicais de esquerda e de direita. Contudo, como se costuma dizer: são “maiores e vacinados”, portanto estes utilizadores têm todo o direito a assistir ao conteúdo que querem e a ser manipulados como bem entenderem. Porém, o que acontece quando este ciclos de ódio começam a arrastar crianças que, por nunca terem tido uma vida desligada do mundo “digital”, pensam que este é um espelho correto da realidade? Simples, perdem toda a inocência e tornam-se tanto ou mais perversos que os que começaram a fomentar o ciclo de perversidade, os mesmos que tiveram o direito a crescer num meio onde a interação ocorria entre humanos e não entre opiniões dissociadas de humanidade nas redes sociais.

Num mundo como o nosso, em que a presença de crianças no meio online não só foi normalizada como é ainda estimulada, é estranho pensar que ninguém chama a atenção para este problema dos nossos jovens terem perdido o direito a ter uma infância/juventude de inocência e que, em substituição disso, sejam bombardeados com algoritmos maliciosos nas redes sociais que, além de procurarem ativamente perverter as suas mentes, criaram o ideal de que o mundo é um sítio desolado de humanidade em que a amizade entre pessoas de opiniões radicalmente opostas é impossível – isto em grande parte também por culpa de pais negligentes.

O mundo, com toda a sua desgraça de antigamente, era um sítio mais feliz do que o é atualmente. As redes sociais tornaram-se lupas que ampliam o mal do mundo tentando-o passar como toda a realidade aos seus utilizadores e fomentando-os a agredir quem não concorda com eles. E é este o legado que deixamos à geração seguinte, o legado do cinismo social.