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Quando o carreirismo esgota

Joshef Schumpeter no seu livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, defende que o processo democrático cria políticos profissionais, e que depois os transforma em administradores e “estadistas” amadores. Não é necessário ter memória de elefante para nos lembrarmos de vários exemplos desta externalidade da atividade política. Os casos são muitos, transversais a todos os partidos e regiões, as singularidades são infinitas e há uma grande probabilidade de temos contribuído para a eleição de alguns deles.

Mas porquê que isto acontece? Em primeiro lugar é preciso ter em conta que não há realmente uma única atividade política. Elas são muitas e muito diversas; sendo também verdade que o político puro, salta facilmente de um cargo para o outro com aquele dom de ubiquidade de que parece dotado, mas revelando muitas vezes evidentes défices para gerir com sucesso as funções que assume ao longo da sua carreira política.

Em segundo lugar, a atividade política apresenta uma especialização muito singular, que normalmente tem por base uma enorme imprecisão nos seus contornos. Não é de estranhar que o resultado do acumular de tantos conhecimentos não relacionados entre si, tenha como resultado políticos que podem ser facilmente comparados com uma complexa e heterogenia manta de retalhos.

Em terceiro lugar, salvo nos casos em que a dedicação à política é marginal ou se conjuga com outras atividades profissionais, a verdade é que a complexidade da atividade política costuma exigir uma dedicação integral, que ultrapassa claramente as horas de trabalho de qualquer atividade profissional.

Por fim, e não menos importante, vem o efeito âncora. Depois de assentar arraiais nos meandros da política, ninguém parece querer levantar ferro. Este efeito cria importantes dificuldades ao rejuvenescimento da classe política, pela baixa atratividade de novos quadros e a criação de alternativas. A idade média da classe política é elevada, embora nos últimos tempos tenha havido um rejuvenescimento dos políticos em atividade. Um pouco por todo o país, encontrarmos uma geração de políticos que iniciou a sua carreira nos anos 80 (ou antes) e muitos deles chegaram a se reformar da atividade política sem nunca regressar à vida profissional de origem.

Este comportamento quase obsessivo de conservação dos cargos, torna a maioria dos políticos muito suscetíveis à pressão da opinião pública. É por esta razão que se sucedem os casos e casinhos, e se esquecem os desígnios mais estruturais da política substantiva. Os políticos, na sua maioria, acabam por se tornar numa espécie de cata-vento, capazes de defender tudo e o seu contrário, esquecendo a sua ideologia partidária em função do sentido dos ventos. Por esta razão, o debate político centra-se cada vez mais na forma e cada vez menos no conteúdo, privilegiando-se o ataque pessoal em detrimento do debate de ideias.

A generalidade dos partidos sofrem de uma falência crónica de renovação das suas bases de recrutamento. Os partidos não dão valor ao prestígio profissional e social das suas pessoas quando arquitetam a carreira interna dos seus quadros, ficando isolados e reféns do carreirismo interno da máquina partidária.

Renovar a classe política, quando ela própria monopoliza os canais e as plataformas onde o processo ocorre, é um desígnio muito difícil. As boas intenções que algumas vezes presenciamos nos dirigentes recém-eleitos, caem rapidamente por terra quando percebem que uma mudança no status quo colide com as suas próprias ambições pessoais.

A renovação nos partidos não depende do aumento da regulamentação da atividade política, nem da limitação dos mandatos, nem mesmo da regulamentação sobre incompatibilidades e conflitos de interesses. O problema é que são os próprios políticos a desenhar as leis que os balizam. É por isso que vão permanecendo espaços na lei que lhes permitem a continuidade na vida política, através da alternância de cargos sem qualquer solução de compromisso. Para evitar o crescente descrédito da classe política, é urgente uma mudança de mentalidades. A renovação partidária tem de ter uma origem cultural, onde se privilegie a rotação entre a política e uma carreira profissional fora da política. Esta poderia ser a chave para o processo de renovação, mas é uma porta que me parece que ninguém pretende abrir.