Saber e desenvolvimento

Vivemos na era dos conhecimentos. Nunca houve na História da humanidade um volume tão grande de conhecimentos ao alcance dos indivíduos e das sociedades a um nível global. Aceite a constatação, era de esperar que o Saber ocupasse um lugar de elevada projecção na sociedade. Mas é isso, realmente, o que se verifica? Nas sociedades anteriores, quer seja na Rural como na Industrial, o desenvolvimento/progresso assentava sobre conhecimentos relevantes. E o Saber era devidamente apreciado. Nos anos 50, 60 e na primeira metade dos anos 70 ainda se levantava o chapéu à passagem do professor de “Instrução Primária” da aldeia e à do professor do Ensino Secundário, nas pequenas cidades, dignos e respeitados representantes do Saber.

O problema que enfrentamos hoje é que, um alto grau de escolaridade não significa, automaticamente, bons e relevantes conhecimentos, uma mais-valia necessária ao desenvolvimento de qualquer Nação. E já veremos porquê. Logo após o 25 de Abril, assistiu-se a uma verdadeira “explosão” social, sobretudo no sector socioeconómico do País. O nível de vida aumentou consideravelmente e a igualdade de direitos facilitou, pelo menos na aparência, a mobilidade entre as diferentes camadas sociais. É óbvio que esse fictício bem-estar económico não podia durar, pois assentava sobre fracos e quiméricos alicerces. Os cofres do Estado esvaziaram-se e as crises e Governos sucederam-se uns aos outros a ume velocidade estonteante. Quanto à mobilidade entre as camadas sociais, indispensável a qualquer democracia, digamos, para simplificar, que “a procissão ainda vai no adro”. Para cúmulo, cometeu-se um erro crucial: descurou-se o Ensino. E isso deixa marcas difíceis de apagar, quiçá indeléveis. Não é menosprezando o Saber que se desenvolve uma Nação. Construíram-se telhados sobre paredes podres e a seguir, quando os telhados ameaçavam ruir, remendaram-se as paredes com cimento barato e de qualidade ordinária. Não é exagero afirmar que, até agora, não houve um só Ministro da Educação que tivesse a inteligência e o bom senso suficientes para organizar o sistema educativo a partir de uma visão global do Ensino, que fosse do infantário à universidade, um único corpo com cabeça, tronco e membros. A ambição devia ter sido, mas não foi, a de dar a todo o cidadão, em cada etapa do percurso de aprendizagem, as habilidades, o saber e as indispensáveis competências para o tornar capaz de avançar, confiante e resoluto, para a etapa seguinte. Nem todos têm aptidão e muitos nem sequer têm vontade para aceder a cursos universitários… A ingerência dos encarregados da educação no funcionamento da escola, em particular nas áreas pedagógica e disciplinar, tem-se revelado contraproducente. Não só porque priva o professor de grande parte da sua autoridade e põe em causa a sua competência, mas também porque contribui largamente para a imaturidade do aluno. E a prova é que os professores universitários queixam-se justamente dessa notória falta de maturidade.

É verdade que, nos últimos tempos, tem-se apostado na digitalização do Ensino mas, como já é hábito, meteu-se a carruagem à frente dos bois, exagerou-se na aposta e o que poderia ter sido uma mais-valia está a tornar-se num enorme desengano, para não dizer desastre. O alerta sobre os malefícios de uma exagerada digitalização já estão a ser debatidos e combatidos há alguns anos em França e na Suécia, por exemplo. E até mesmo na China e nos EUA.

Certo é que as reformas do Ensino têm sido mal pensadas, insuficientes e com pouco ou nenhum resultado prático visível. Será tão difícil compreender que a produção em massa de licenciados não resolve os problemas de desenvolvimento, seja ele económico, social ou cultural do nosso ou de qualquer outro País? Mas, claro, as estatísticas servem também para embelezar a fachada

É também de salientar que o “novo” acordo ortográfico não contribui de forma alguma para a aprendizagem da nossa língua pois constitui uma verdadeira agressão à etimologia do nosso vocabulário. A miserável subserviência que esta reforma encerra serve, afinal, para quê? (De louvar, a firme oposição do DN-M.)

A entrada de Portugal para a União Europeia trouxe, e continua a trazer, benefícios económicos consideráveis. Mas não haverá razões para duvidar do bom emprego de uma grande parte desse capital? A Economia de Mercado/Global tem dominado a orientação dos investimentos, ocupando o centro das preocupações dos governantes e relegando para segundo plano a aposta no capital humano.

Haverá quem duvide que o Saber e o desenvolvimento andam de mãos dadas?

Asdrúbal Vieira