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Uma terra para todos

Os resultados das últimas eleições legislativas e o processo de negociação que resultou na formação do XIV governo regional, já empossado, convidam a três constatações diferentes, todas elas importantes para percebermos melhor o actual estado de coisas da política regional e a sua evolução nos próximos meses.

Em primeiro lugar, embora a coligação ‘Mais Madeira’ tenha ganho as eleições, a sua vitória não foi marcante, nem, tão pouco, contundente. A prova mais clara disso é a necessidade que os dois partidos que concorreram coligados tiveram de ir buscar um terceiro parceiro de forma a garantir a formação de um governo de maioria frágil e cuja durabilidade não depende da vontade exclusiva do PSD e CDS. Só por si, este factor indica que a população da Madeira e do Porto Santo não se revê maioritariamente no trabalho que a coligação fez no último mandato e duvida da sua capacidade de implementar as reformas que a Região precisa para ultrapassar o momento difícil instalado. Tal dúvida é, aliás, extensível a todos os partidos do dito arco da governação (PSD, CDS e PS), que, nos últimos três actos eleitorais, perderam dezenas de milhares de votos, facto que denota, entre outros aspectos, a sua incapacidade de falar às pessoas numa linguagem que elas percebam e de lhes apresentar um projecto exequível e com respostas reais para os muitos desafios que enfrentam nas suas vidas.

Em segundo lugar, numa altura especialmente crítica do nosso percurso colectivo como país e como Região, em que a banca lucra onze milhões por dia (ao mesmo tempo que há cidadãos que não têm onze euros por dia para gastar), em que os pais não conseguem poupar nada para deixar aos seus filhos, em que as empresas são asfixiadas pela carga fiscal que o governo propositadamente não quer baixar, em que a pobreza atinge níveis recorde, em que mais de sessenta mil madeirenses vivem com menos de 551 euros por mês e em que pagamos cada vez mais para comer, para abastecer o carro, para ter casa, para ter carro, para garantir serviços básicos mínimos e para ter uma vida minimamente digna, o futuro da política regional descansa nos ombros de um partido do qual não se conhece um pensamento estruturante sobre a economia, as assimetrias sociais, o drama das famílias, a precaridade laboral, a carência de habitação, os problemas da saúde, a urgência de rever a fiscalidade e o aprofundamento da autonomia. Mais do que irónica, esta situação é preocupante, pois não é com divagações de mau gosto sobre igualdade de género, identidade sexual, libertinagem, desparasitações e um punhado de medidas que revelam, acima de tudo, impreparação, desconhecimento e falta de sentido de oportunidade, que os dramas que afectam a população serão resolvidos.

Em terceiro lugar, apesar da carga pejorativa que lhe está associada, a política ainda é o melhor e a mais eficaz dos canais para mudar a vida das pessoas, encontrar boas respostas para os problemas que limitam as famílias e abrir portas de esperança para aqueles que, por uma razão ou outra, foram relegados para as periferias económicas e morais da nossa sociedade. Mas, para tal, o exercício da política não se pode converter num jogo de oportunismos, numa expressão de lugares-comuns ou numa farsa de soluções falsas que, em vez de elevarem a dignidade humana e os padrões de vida dos cidadãos de bem que trabalham e pagam os seus impostos, favorecem apenas os mesmos de sempre, distribuindo miséria pela vasta maioria restante. De quem assumiu responsabilidades executivas e dos demais que, no parlamento, foram escolhidos para apoiar ou fiscalizar a liderança exige-se a sinceridade da entrega à defesa dos muitos que sofrem, a humildade do reconhecimento das lacunas que o regime (praticamente) unipartidário ainda não soube colmatar, a frontalidade de assumir e de fazer o muito que não depende de Lisboa e a ambição de deixar um legado construtivo, de Bem, positivamente impactante e verdadeiramente capaz de transformar a pobreza que alguns vergonhosamente tentam disfarçar com declarações avulsas, arrogâncias despropositadas, despesismos injustificados e empreendimentos combinados e projectados nos corredores do poder numa renovada Madeira para todos, e não numa terra para apenas alguns.