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Fact Check Madeira

Será verdade que a Ryanair já ameaçou vários governos para baixar taxas?

Foto Shutterstock
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O presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, o madeirense Bernardo Trindade, afirmou, hoje, na Antena 1, que a actual ameaça da Ryanair de retirada de voos e de aviões da Madeira corresponde à “forma usual de pressão” dos responsáveis da companhia irlandesa na relação com os vários governos, sempre com o objectivo de baixar as taxas nacionais e aumentar as suas receitas no negócio da aviação. Será que tem sido mesmo assim?

A Ryanair é hoje a líder europeia de voos de baixo custo. Voa para 240 aeroportos, em 40 países, sendo o da Madeira um deles. A sua fórmula de crescimento assenta numa política agressiva de tarifas baixas ao passageiro e na redução ao máximo de todas as componentes de custos de operação. Nessa linha, a companhia assume uma pressão constante para limitar todo o tipo de encargos. Assim, não é nada difícil encontrar notícias com exigências e ameaças de responsáveis da Ryanair dirigidas a governos e concessionárias de infraestruturas aeroportuárias de vários países europeus, com vista à redução de taxas, impostos e outros custos de operação.

Por exemplo, há cerca de um ano, a companhia aérea entrou em ‘guerra’ com o governo da Hungria, cancelando ou reduzindo 14 rotas a partir de Budapeste devido à entrada em vigor naquele país de um novo imposto que penaliza os lucros excessivos e que se aplica à generalidade das empresas. A Ryanair fez repercutir de imediato tal encargo fiscal nas tarifas aos passageiros, o que, por sua vez, desencadeou um procedimento público de protecção dos direitos dos consumidores. Em simultâneo, foram desencadeados litígios judiciais relacionados com uma multa no valor de 780 mil dólares aplicada pela Hungria. O conflito teve grande repercussão nacional, visto que a Ryanair é a companhia que mais passageiros transporta naquele país do leste europeu. O administrador executivo da Ryanair, Michael O'Leary, disse o seguinte sobre esse diferendo: “Lamentamos estes cortes de rotas e voos que são causados ​​exclusivamente pela decisão estúpida e ilógica do governo húngaro de impor ‘lucros excessivos’ à deficitária indústria aérea, que agora torna os voos de e para a Hungria mais caros e menos competitivos”.

Em setembro de 2022, a Ryanair anunciou o encerramento da sua base no Aeroporto de Bruxelas, em Zaventem, devido à entrada em vigor de taxas ambientais e à decisão da concessionária aeroportuária de aumentar os preços em 11% para as companhias aéreas e passageiros a partir de Abril de 2023. “Além desse imposto estúpido, o CEO do Aeroporto de Bruxelas tomou a decisão de aumentar os preços”, lamentou Michael O'Leary. Curiosamente, foi na capital belga, onde tinha ido entregar uma petição à Comissão Europeia, em Setembro de 2023, que o administrador executivo foi ‘presenteado’ por activistas ambientais com uma tarte de creme na sua cara.

Em Setembro passado, foi a vez de a Ryanair ameaçar cortar os seus voos para a Sardenha e Sicília, como represália pelo facto do governo italiano querer limitar as tarifas aéreas para as ilhas. “Já reduzimos os voos para a Sardenha em 10 por cento e faremos o mesmo para a Sicília neste Inverno. É um decreto estúpido e idiota, que reduzirá os voos aumentando as tarifas”, disse O’Leary sobre essa disputa.

É a forma usual de pressão do senhor O’Leary. É uma forma de pressão mais radical, menos habitual. O objectivo é claro. É pedir ao Governo da Madeira que intermedeie na relação da Ryanair com o concessionário, a ANA Aeroportos. Foi assim nos Açores, onde essa negociação e depois da intervenção do Governo Regional dos Açores, a Ryanair manteve, apesar de tudo, um avião, quando a proposta inicial era retirar toda a operação dos Açores. Ora não cabe na cabeça de ninguém que a Ryanair pura e simplesmente abandonasse a operação da Madeira, porque é uma operação rentável. No fundo, o objectivo aqui é pressionar o concessionário através dos governos regionais Bernardo Trindade, presidente da Associação de Hotelaria de Portugal, na Antena 1 Madeira

Portugal é só o foco mais recente desta prática empresarial de pressão sobre os destinos. A concessionária ANA (detida pelo grupo francês Vinci) vai aumentar as taxas aeroportuárias em 6% na Madeira, 17% em Lisboa, 12% em Faro, 11% no Porto e 9% em Ponta Delgada. Uma opção que motivou novo reparo de Michael O’Leary: “Estes aumentos estão a ser impostos por um monopólio francês. Em Espanha, Marrocos, Itália e Grécia estão a reduzir as taxas aeroportuárias para recuperar níveis pré-pandemia. O operador monopolista do aeroporto procura taxas ainda mais altas, além das já elevadas taxas aeroportuárias de Portugal, para encher ainda mais os seus bolsos às custas do turismo português e dos empregos, especialmente nas ilhas portuguesas, que dependem de turismo e de acesso ao turismo".

Conforme foi noticiado ontem e hoje, justificando-se nesse agravamento de taxas, a Ryanair prepara-se para retirar um dos dois aviões da base da Madeira e suprimir, a partir de Janeiro de 2024, os voos para Marselha (França), Nuremberga (Alemanha) e Bérgamo (Itália). Pelo mesmo motivo, a companhia pretende encerrar a base de Ponta Delgada (Açores) e vai reduzir voos para Porto e Faro.

Já no Verão passado, a Ryanair tinha feito um ultimato ao Governo Regional dos Açores. Só manteria os voos para aquele arquipélago neste Inverno se lhe garantisse uma compensação de 13 euros por passageiro transportado. Em entrevista ao Jornal Económico, o CEO Eddie Wilson pedia a eliminação de uma taxa de 3 euros e um incentivo de 10 euros por passageiro para compensar o fim das isenções de taxas de emissão de carbono.

Em Fevereiro de 2022, o alvo tinha sido outro. A Ryanair ameaçou cancelar 20 rotas a partir do aeroporto de Lisboa caso a TAP não libertasse ‘slots’ (vagas para operação) naquela infraestrutura. Michael O’Leary colocou as coisas nos seguintes termos: “Apelamos ao primeiro-ministro António Costa a agir rapidamente (…). A Ryanair investiu no aeroporto de Lisboa este Inverno com sete aviões (700 milhões de dólares) e está disposta a continuar a investir no Verão 2022, desde que o Governo português exija à TAP a libertação de alguns dos ‘slots’ não utilizados até ao final de Fevereiro”.

“É a forma usual de pressão do senhor O’Leary [administrador da Ryanair]. No fundo, o objectivo aqui é pressionar o concessionário, através dos governos regionais”, para baixar as taxas. - Bernardo Trindade, presidente da Associação de Hotelaria de Portugal, na Antena 1 Madeira