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O demissionário

O demissionário é alguém que disse que se demitiria logo que… ou que viria demitir-se se…. É muito mais do que um estado de alma. É uma prometida decisão, uma intenção do putativo demitido, daquele que anunciou que se demitiria, jurou demitir-se, colocou a possibilidade de apresentar a sua demissão, mas… não se demitiu. Inventou um subterfúgio ou criou uma qualquer justificação, um contexto, talvez uma inflexão tática. Esse é o personagem do “demissionário”.

Assim foi com o Dr. Miguel Albuquerque. Muito antes do último ato eleitoral, o candidato quis ser eloquente e exercer determinada retórica política. Vai daí, declarou “urbi et orbe” (à cidade e ao mundo): demitir-me-ei se a plebe não me aclamar de forma entusiasta e com necessário fulgor. Eis que a populaça não se entusiasmou conforme o esperado. A suposta ameaça surtiu o efeito oposto. Então, foi preciso apressar-se a dizer que tudo não passara de uma brincadeira, “une petite blague”, coisa que não se deveria levar muito a sério. Até porque “os políticos não são propriamente santos”. Por isso, não se deveria levar tão a sério o dito. Tratara-se de uma pequena leviandade.

Tendo pensado melhor, o Dr. Miguel Albuquerque achou que não deveria demitir-se. Era o que faltava levarem-no a sério…

O dito, com a mesma candura com que anunciara demitir-se se não lhe dessem a exigida aclamação, desdemitiu-se, desdisse-se.

Já agora, reconheçamos que não é tarefa fácil. Desdizer-se poderá ser coisa complicada. Contradizer-se. Negar-se. Dizer o contrário do que antes dissera. Discordar de si. Não convir.

Uma coisa é certa, o dito fica para o resto dos seus dias com o cognome de “o demissionário”. E pior do que isso, se persistissem dúvidas, o demissionário decretou que não pode ser levado a sério.

E esse é o maior custo político que a um governante poderá ser infligido. Desacreditar-se, assegurar a toda a gente que a sua palavra de pouco ou nada vale, esse é ónus mais gravoso e mais temível para o protagonista político. Bem pior do que a pena de morte, a condenação mais terrível ao político é a pena de vida, o monótono arrastamento pelos lugares públicos, condenado a exercer funções sem palavra, sem pinga de verdade, por mais discursos que possa fazer. Todos, obrigatoriamente, o ouvirão sem que o escutem.

Se é verdade que o que contam são as políticas e os projetos em causa, contudo, essas orientações, mesmo que aprovadas e aplaudidas pelos seus correligionários, certas ou erradas, essas orientações serão sempre do “demissionário” e dos seus cúmplices, sujeitos que estão, desacreditadamente, a cumprir “pena de vida”.