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Declínios e entendimentos

Ao longo dos últimos anos, os partidos mais estabelecidos da democracia nacional têm registado uma perda inegável de votos para outras opções partidárias que têm emergido no contexto político. Este fenómeno não se tem limitado à parcela continental da República, mas, muito pelo contrário, também se tem expresso na Região, sendo prova a constatação de que, entre 2019 e 2023, o PSD, PS e CDS perderam, em conjunto, quase trinta mil eleitores. O afastamento das pessoas dos partidos ditos tradicionais não é fruto do acaso, mas o produto de vários factores, de entre os quais três merecem especial destaque.

Primeiro, os partidos ditos tradicionais perderam a capacidade falar com as pessoas numa linguagem que elas entendam, assim como a humildade de, no terreno, ouvir as suas reivindicações, desafios e preocupações quanto ao futuro. Pelo contrário, fecharam-se sobre os seus objectivos, tratando o exercício da política, não como uma oportunidade para servir a população, mas como um canal para a obtenção de privilégios, regalias e uma vida boa para si, para os seus e para as empresas e grupos que lhe estão associados.

Segundo, os partidos ditos tradicionais deixaram de operar como canais para mobilizar as populações para um projecto de afirmação e de progresso colectivamente reconhecido e aceite, tornando-se centros de doutrinação, onde o seguidismo silencioso e a luta pelo poder são prioridades muito mais valorizadas do que a acção concreta e abnegada em prol Bem Comum. Por outras palavras, deixaram de se importar com as pessoas e as causas, para se focarem, de forma quase obsessiva, na conquista, gestão e manutenção da autoridade de certas lideranças, as quais, alheias à noção de que o seu ciclo de domínio é temporário, têm procurado prolongar-se e perpetuar-se, independentemente do desgaste e efeitos danosos que essa teimosia tem causado a nível interno e externo.

Terceiro, os partidos ditos tradicionais têm assumido opções que não só envergonham os seus princípios, como traem a confiança daqueles que em si têm votado. Nessa linha de argumentação, o acordo entre a coligação e o PAN merece referência, pois conduz-nos a duas conclusões que, se não nos incomodam, então, pelo menos, deveriam convidar-nos a reflectir sobre os contornos que tem vindo a assumir a vida política regional.

Por um lado, o acordo confirma que PSD e CDS seguem o mesmo princípio de António Costa, segundo o qual não há linhas vermelhas à Esquerda e que de nada interessa o que os partidos representam, defendem ou propõem. Na hora de fazer acordos, o único aspecto que importa é que esses partidos tenham deputados, e, à pala desta noção, a Esquerda fundamentalista, que é herdeira do totalitarismo soviético e porta-voz do pós-modernismo mais desumano e aberrante, passa a ser o fiel da balança do poder, sempre que não houver maioria do PSD, CDS e PS.

Por outro lado, o acordo confirma que, para fazer passar um governo e um programa, o que interessa é o número de deputados e não de onde vêm. Mas, se a diferença de ideologias, valores e até comportamentos públicos já não importa, então porquê a incansável insistência na estigmatização de certos partidos? Será porque falam da luta contra a corrupção e priorizam a defesa da família? Será porque querem acabar com o carreirismo político e a subsidiodependência de quem pode trabalhar? Será porque insistem num sistema fiscal que dignifique as pessoas e potencie empresas, em vez de alimentar o despesismo dos governos? Será porque defendem as forças de segurança e defesa, em vez de celebrarem o bandido? Ou será, pura e simplesmente, porque não se rendem perante os infindáveis compadrios e clientelismos que, há décadas, dominam PS, PSD e CDS?

Os eleitores, que continuam a fazer jus ao ditado de que o Povo não é tolo, têm dado a sua resposta. Já os partidos tradicionais preferem continuar a doutriná-los, a educá-los e a dizer-lhes, condescendentemente, que as suas novas opções de votos são vergonhosas, xenófobas, racistas e extremistas. Não é preciso uma bola de cristal para perceber como é que história acaba.