Crónicas

As “ilhites” da “Ótonomia”

Milhares de desempregados não recebem subsídio. Jovens trabalham a recibos verdes e com a possibilidade de perder o emprego constantemente em cima da cabeça. A criminalidade e a insegurança, induzidos por comportamentos aditivos, aumentaram significativamente. A “pandemia” e os seus reflexos. Respira-se um estado de pré-convulsão.

Estou longe de ser um moralista. Cada um que faça o que quiser, desde que isso não resulte em dano e prejuízo. Sou sempre pela responsabilidade, mas perante o que se passa diariamente à nossa volta, os responsáveis políticos assobiam para o ar, como se nada se passasse. Como se vivêssemos no paraíso e tivéssemos uma sorte do caraças em tê-los, mais o seu brilho, a governar-nos.

Olhem para o passado, para a história. Estão lá os sintomas, os pecados e os desfechos. Não sou determinista e sei bem que as mesmas causas não provocam sempre os mesmos efeitos, pois as circunstâncias são também variável. O passado ensina-nos a não repetir erros.

Portugal diverge da Europa e a Madeira diverge de Portugal. O país empobrece e a região também. Aumenta a desigualdade. O elevador social, proporcionado pela educação, não funciona. São cada vez mais os que dependem do assistencialismo, do cabaz, do chequezinho manhoso. O poder de compra esboroa-se todos os dias. E o Estado, com os seus impostos, continua ali, omnipresente, firme e hirto, a viver à conta do contribuinte.

Uma população empobrecida não é uma população livre. Tem a sua liberdade condicionada, porque não pode escolher o que entende ser o melhor para si. São pessoas dependentes. A legião de pobres, que engrossa todos os dias — não se pode esquecer que somos a região do país onde o risco de pobreza é maior —, perde qualidade no acesso à saúde, ao ensino, à cultura, ao entretenimento, à habitação, a uma alimentação de qualidade, à comunicação, ao conhecimento e saber.

Somos, cada vez mais, uma terra de serviços. Melhor: cada vez mais somos uma terra de um serviço… e de betão, muito betão. Betão por todo o lado, com uns patos-bravos e uns DDT’s (Donos Disto Tudo) a ditar leis e a controlar políticas. Políticas governamentais que se sustentam em milhões gastos inutilmente em coisas que não geram riqueza. A não ser para os de sempre. O privilégio é a antítese da liberdade.

Não se conseguem descortinar medidas de futuro, de médio ou longo prazo. O que conta é o imediato. Não há rasgo, nem saber. Não há ambição, nem querer. Não há sonho.

É preciso recentrar, de modo a sairmos desta panela de pressão, onde a insegurança, a carência, a carestia, a falta de equidade, o vazio, nos tornam menos saudáveis e mais desequilibrados.

A Autonomia está apática. Falta-lhe capacidade de ser provocadora, de olhar o longe e a miragem. De abraçar a ambição e, porque não, a utopia. Não há que ter medo do desconhecido. Precisamos de mão hábil que nos conduza em direcção ao futuro, com saber e vontade.

Atravessamos um momento de enorme crispação. Passear pelas redes sociais, ouvir as pessoas na rua, é descobrir um mundo dividido entre o “nós” e os “outros”. Não há meio-termo. A “nuance” morreu, bem como o acordo, a cordialidade, a troca civilizada de opiniões. Respira-se desrespeito e violência no trato. Má educação.

De “terra mágica”, caminhamos a passos largos para nos tornarmos numa “terra trágica”.

A Autonomia tem de ser o terreno comum. A todos e de todos. Tem de ser o nosso amor maior. É só por ela que poderemos crescer. Por ela atingiremos a riqueza e a prosperidade. Só pela Autonomia podemos criar as condições para que ninguém fique para trás.

Prometeram-nos uma coisa e, tanto engonharam, que não nos deram nada. Nem outra nos deram, porque o que temos é de muito pouco. É vê-los a encher a boca de frases feitas, enquanto continuam de mão estendida a pedinchar cada vez mais, porque incapazes de criar e acrescentar. Vivemos na ilusão de andar para a frente, sem nunca se resolver aquilo que fica para trás.

A “esmola” consegue sempre convencer uma larga maioria de dependentes, de que o que há é uma inevitabilidade. Não é. Inevitável é só a morte. Tudo o resto é evitável. Dá é trabalho. Muito trabalho.

Faz imensa impressão, que certas pessoas, sempre prejudicadas, tenham a secreta esperança que as prendas do regime também cheguem para elas. Passam a vida a fazer de conta que têm alguma importância, quando são descartáveis. Trabalham, empenham-se, vestem a camisola, tatuam na alma o estandarte partidário e não passam de sustento para aqueles que se servem do bem comum. São enganados, pisoteados, aldrabados, destratados, esquecidos, humilhados, e continuam com um sorriso submisso, de bandeirola na mão, a servir, como lacaios, os de sempre. Alguém disse: “tentam cair nas boas graças do chefe, massajando-lhe periodicamente as nádegas”. Quem manda, promete o que nunca dará. Em cada eleição fica no ar a hipótese do “vai ser agora”. Mas não é. Serão sempre zeros à esquerda. Funcionais, mas sem préstimo, para além do que são, concretizam e representam. Não há mérito que lhes valha. Há uma anedota do tempo da União Soviética que reza assim: “os membros do Partido dividem-se em duas categorias, os que não servem para nada e os que servem para tudo”. Por cá é o mesmo.

A classe política que nos governa passa por ser uma “elite”, quando não passa de uma “ilhite”. A “ilhite” da “Ótonomia”. Governa sem esmero, inaugura pizarias, lojas de roupa, visita empresas, faz festas com a captura de um atum, inventa “inventos” para que os senhores do partido pousem para a fotografia. Aparecem no que lhes compete e no que não. Tornaram-se numa espécie de agência de “marketing” e publicidade de elogio fácil, mudando os intervenientes e mantendo o texto.

O Sr. Presidente do Governo Regional, bem como os seus Secretários, parecem uma manada de vacas japonesas. Adoram que os seus compères lhes passem a mão no lombo, massageando-lhes o enorme ego. O meu amigo Rui inventou mesmo um termo para isso: Egocubração, o trabalho intelectual de um deputado a massajar o próprio ego e o dos governantes.

Vivemos enterrados até aos joelhos em impostos, taxas e taxinhas, burocracia e falta de incentivos à produção de riqueza, mas claro que a culpa dos baixos rendimentos deve ser de outra coisa qualquer, que não de quem nos governa. Tacteamos à nossa volta a ver se encontramos uma saída. E quando isso acontece arranjam sempre maneira de nos trancar os passos.

A realidade é dura e crua, se a máquina de extorsão do PSD/CDS deixa de funcionar, as clientelas perdem o seu sustento. E isso, claro, não pode acontecer. Doa o que doer.

Não, os impostos não são para baixar, nem a Autonomia será governada com parcimónia, tino e conhecimento. O niilismo é a doença responsável pelas decisões políticas na Madeira. O governo tem uma gula insaciável em tributar o que ganhamos e a nossa riqueza e, depois, dedica-se a desperdiçar esses rendimentos em coisas inatendíveis, e em “ofertas” para os “amigos”.

Manter-se-á a treta, tão conveniente, do inimigo externo, a protecção dos poderosos e a manutenção de uma elite inculta, corrupta, nepotista, socializante e assistencialista. A cereja no topo do bolo é a máquina burocrática, potenciadora de pequena corrupção e travão do desenvolvimento. Em suma, uma Autonomia fracassada.

Cá fora, na rua, as pessoas estão cansadas. Alheadas. Em 46 anos de regime autonómico, não me canso de o referir, em vez de nos reunirmos em volta do poder próprio, dispersamos. Vivemos um estado de “estes gajos da política são todos iguais”. Não se pode fazer comparações entre o que não é comparável. A Autonomia foi sempre governada pelos mesmos. Alguma vez se experienciou outra coisa, para além de umas passagens autárquicas pouco entusiasmantes? Os socialistas do PSD, não diferem dos socialistas do PS. Na política há muito mais do que laranjas deslavadas e rosas murchas.

Este ano tem, lá ao fundo, eleições regionais, e estou calejado o suficiente para poder adivinhar o resultado. Como dizia a avó de uma amiga: “É cagar na cama e dizer que é lameiro”.