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Centenário de Inês Afonseca e a Colonia

Comemoramos em 2023 o centenário do nascimento de Inês Afonseca, uma filha do povo que recebeu a Colonia por herança. Natural do Funchal, nasceu a 5 de junho de 1923, na freguesia de S. Martinho. Inês Afonseca, figura marcante do movimento camponês na Madeira, destacou-se pela sua «persistência admirável» na luta pelos direitos dos caseiros e pela extinção da Colonia, como escreveu João Lizardo. Aquela “mãe coragem” foi fundadora e dirigente da UCIM – União dos Caseiros da Ilha da Madeira e do jornal “O Caseiro”.

A invocação de Inês Afonseca e a convocação do seu centenário comportam visitar os lugares da Colonia, da canga, da luta dos caseiros, da epopeia coletiva contra a subjugação e a subserviência; requerem o avivar da memória acerca da resistência dos colonos, que enfrentaram a pior das misérias, experimentaram a repressão, desenvolveram corajosas lutas pela libertação.

Da Colonia, instituição de cariz feudal, no seu romance “A Canga”, escreveu Horácio Bento de Gouveia: «o regime de Colonia era uma afronta à dignidade humana».

A Colonia constituiu, na Madeira e no Porto Santo, desde finais do século XVIII, uma fonte de profundas tensões sociais, de histórias amargas que tantos caseiros transportaram de gerações em gerações, de milhares de colonos, de milhares de vidas oprimidas.

O centenário de Inês Afonseca é inseparável da consideração de um movimento social feito de homens e de mulheres com sede de justiça, de uma história de povo que aprendeu a se organizar para vencer a exploração, um movimento popular reivindicativo, edificado em trabalho árduo, mas afoito. Um movimento social, primeiro como voz de protesto contra a tirania, em gestação nas pequenas e grandes lutas pelos direitos e pela dignidade de quem trabalhava a terra, onde se estruturaram redes orgânicas, no qual se estabeleceram alianças sociais, onde se formaram dirigentes.

Como movimento social a organização dos caseiros, com raízes bem anteriores à Revolução de Abril, ganhou novo alcance a partir de 1974, através da UCIM.

Lembrar Inês Afonseca neste seu centenário implicará cartografar o quanto ainda falta fazer para que a Colonia seja totalmente eliminada na Madeira e no Porto Santo. Na verdade, não só estão por equacionar muitas das suas sequelas nestas ilhas, como existem ainda casos em que a propriedade da terra está por resolver. Estão por solucionar situações complexas para os detentores de determinados prédios cujos proprietários dependem de incertas diligências jurídicas.

Esta será uma oportunidade para percebermos como está por fazer a devida justiça a tanta gente que, durante séculos, sofreu na carne as consequências da canga, dessa «afronta à dignidade humana».