Artigos

Pelo direito à cidade

A expropriação da cidade não começou agora no Funchal. Há uma antiga dinâmica de segregação social que tem por objetivo excluir o povo dos seus lugares de pertença. Agora intensificou-se, de forma desavergonhada, essa apropriação.

Está a acontecer uma violenta expropriação do povo do centro da cidade. O pontapear de tanta gente para fora da cidade envolve muitos lugares sociais: são os expropriados da Zona Velha, empurrados para fora, a bem ou a mal, das casas em que desde sempre habitaram, dos lugares em que mais gostavam, e gostam, de estar, dos espaços da sua identidade, da sua memória, das suas vidas. Entre muitos outros lugares, assim foi com os antigos moradores da área do que é agora a “Praça Amarela” ou Praça de Colombo, gente repelida para a Nogueira, na Camacha.

Esta expulsão do coração da cidade acontece no Largo do Pelourinho, na Rua Direita, na Rua da Carreira ou na Rua da Conceição, na Rua das Pretas ou na Calçada da Cabouqueira, no Quarteirão do Leakook, na Carne Azeda ou nos Arrifes, no Largo da Saúde…

Os cientistas sociais também classificam estes processos através do conceito de “gentrificação”.

Nalguns lugares, com pressão mais imediata e mais cruel e muito mais bruta; noutros lugares, de mansinho, casa a casa, deixando-as a apodrecer ou à conta da chamada “Lei das Rendas” e à boleia de alegados “planos de reabilitação urbana”, o que está a acontecer é, não só, a descaracterização e o desfigurar da identidade do Funchal.

Quer seja para fazer de conta que o Funchal “é o Dubai”, quer seja para tornar o centro do Funchal numa espécie “de Disneylândia”, num parque de diversões, num cenário “para inglês ver”; quer seja para saciar certos mercadores e em função da especulação imobiliária; isto é o que acontece, aqui ou noutras paragens, quando o capital comanda a cidade. A cidade é encarada como a mercadoria, apenas subjugada às leis do mercado, e a ela terá acesso quem mais conseguir comprar.

Porque o Funchal tem estado refém dos mercadores e das negociatas, coloca-se como questão cimeira a luta pelo direito à cidade. Quando os especuladores imobiliários comandam a cidade, os direitos do povo da cidade tornam-se reivindicação maior.