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Afegãos repelidos à força por Irão e Turquia dizem-se alvo de tratamento desumano

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As autoridades do Irão e da Turquia têm repelido à força para o Afeganistão cidadãos afegãos que entraram nesses países em busca de segurança, após a retomada do poder dos talibãs em Cabul, em agosto do ano passado.

A denúncia é da organização internacional de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional (AI), num relatório hoje divulgado, no qual se frisa que "desde o regresso dos talibãs ao poder, em agosto de 2021, centenas de milhares de afegãos fugiram do país".

Segundo a AI, "à medida que os talibãs consolidaram o seu controlo sobre o território do Afeganistão e as fronteiras foram fechadas às pessoas sem documentos de viagem, os cidadãos do país em risco de perseguição e outras violações graves dos direitos humanos, ficaram encurralados", tentando desde então atravessar ilegalmente as fronteiras para os países vizinhos.

"Em muitos casos, as autoridades [iranianas e turcas] disparam armas de fogo sobre estas pessoas, mesmo sobre crianças. Das 74 pessoas afegãs que a AI entrevistou para este relatório, 48 afirmaram que as autoridades dispararam sobre si enquanto tentavam atravessar a fronteira. Destas 74 pessoas, nenhuma pôde efetuar um pedido de asilo nestes dois países", relatou a organização no documento.

Em vez disso, esses cidadãos afegãos "foram 'devolvidos' ao Afeganistão, em situação de incumprimento do Direito Internacional", prosseguiu a AI, precisando que quem consegue entrar no Irão e na Turquia "enfrenta detenções arbitrárias, sendo submetido a tortura e outros maus-tratos, antes de ser obrigado a regressar ao Afeganistão à força e de forma ilegal".

A Amnistia sublinha que esta maneira de obrigar os cidadãos afegãos a regressarem ao seu país é ilegal -- tratando-se de um processo designado como "pushback" -, distinguindo-se da deportação, um dos processos com enquadramento legal previstos para obrigar pessoas a retornar aos respetivos países de origem.

No relatório, a organização não-governamental (ONG) "relembra que nenhum afegão deve ser devolvido ao Afeganistão, devido ao risco real de graves violações dos direitos humanos que poderá enfrentar".

"Não sei o que vai acontecer. Não posso voltar para casa. Não sei o que fazer. Se voltar para casa, eles prendem-me. Se não voltar, o que hei-de fazer? Estou perdido. Não há solução", disse Aref, que foi quatro vezes obrigado a atravessar a fronteira da Turquia para o Irão e "repelido" do Irão para o Afeganistão em janeiro deste ano, citado pela AI no relatório.

Outro cidadão afegão citado pela organização, Eltaf, que foi ilegalmente deportado da Turquia para o Afeganistão em abril de 2022, declarou: "A situação aqui é grave. Eu vivo escondido. Tenho medo de que alguém me denuncie aos talibãs. Tenho medo. Estou a planear ir-me embora outra vez".

A Amnistia apela à Turquia e ao Irão para que "ponham fim aos 'pushbacks' e à violência (tortura e maus-tratos) e garantam a passagem segura e o acesso a pedidos de asilo a todos os que procuram proteção".

Neste contexto, a organização insta ainda as autoridades a "abandonarem a utilização ilegal de armas de fogo contra afegãos nas fronteiras e que os autores de violações de direitos humanos (como assassínios e tortura) sejam responsabilizados".

Por último, "para que os países possam garantir um acolhimento eficaz e que tenha em conta os direitos humanos daqueles que fogem", a AI insta ainda "a comunidade internacional a prestar apoio financeiro e material aos países que acolhem um grande número de afegãos, incluindo o Irão e a Turquia".

De acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 180.000 afegãos necessitados de proteção internacional entraram em países vizinhos desde 01 de janeiro de 2021, mas o número total de cidadãos afegãos que precisam de proteção internacional é provavelmente muito mais elevado.

A Amnistia Internacional documentou os casos de 121 pessoas -- 37 crianças, cinco mulheres e 79 homens -- que foram ilegalmente obrigados a regressar do Irão ao Afeganistão ou da Turquia para o Irão ou o Afeganistão entre abril 2021 e maio de 2022.

Algumas destas pessoas foram repelidas várias vezes, o que permitiu à organização contabilizar um total de 255 casos de retornos ou deportações ilegais -- que se enquadram num padrão mais abrangente de "pushbacks" violentos até às fronteiras e deportações ilegais de milhares de afegãos por terra ou ar do Irão e da Turquia.

"As forças de segurança iranianas e turcas utilizaram ilegalmente armas de fogo contra cidadãos afegãos que estavam a tentar atravessar ilegalmente a fronteira como método de dissuasão, o que por vezes resultou em mortes e ferimentos", descreve a AI no documento.

"Ao disparar sobre pessoas que tentavam atravessar a fronteira procurando refúgio e obrigá-las sumariamente a voltar para trás e a atravessar novamente uma fronteira internacional, as forças de segurança turcas e iranianas violaram direitos consagrados no direito internacional, entre os quais o direito à vida e o direito a pedir asilo e o princípio da não-deportação", precisa-se no relatório.

A AI documentou o assassínio ilegal de 11 cidadãos afegãos por forças de segurança iranianas e de três cidadãos afegãos por forças de segurança turcas.

Nos casos analisados pela ONG, "nenhuma das pessoas mortas ou feridas a tiro parecia representar 'uma ameaça iminente de morte ou ferimento grave' para as forças de segurança ou outras pessoas que justificasse o uso de armas de fogo nos termos do direito internacional", pelo que a Amnistia concluiu que "o uso de tal força foi ilegal e arbitrário" e que "algumas destas mortes ilegais deveriam também ser investigadas como potenciais execuções extrajudiciais".