Crónicas

O fundamentalismo e o tabaco

Vivemos numa época marcada pela obsessão do saudável, procurando incessantemente informação

Nunca fui um fumador compulsivo nem considero ter o vício do tabaco. Sempre gostei de fumar uns cigarros quando saía à noite por entre copos e conversas longas, mas depois durante a semana, regressava rapidamente a um estado de não fumador em que nem me lembrava deles quando ia trabalhar. Se não devia fumar? Óbvio que não, toda a gente sabe que faz mal à saúde, que é causador de uma série de doenças e que nos prejudica, como prejudicam tantas outras coisas do nosso dia a dia. Considero no entanto que a nossa sociedade caminha a passos largos para um regime fundamentalista onde se proíbe por tudo e por nada e se faz lei mediante o que achamos certo ou errado atropelando sucessivamente os nossos direitos e as nossas liberdades. O caso do tabaco é apenas um entre outros que vão aparecendo aos poucos, guiados pela ideia de que tudo o que faz mal deve ser restringindo, como o álcool, o sal, o açúcar ou outros produtos e que pouco importa a nossa opinião ou o que nos apetece fazer.

Vivemos numa época marcada pela obsessão do saudável, procurando incessantemente informação acerca do que podemos ou não ingerir e do que nos faz melhor ou pior. Acho sinceramente positivo que tentemos encontrar fórmulas que nos conduzam a uma melhor qualidade de vida, que nos permitam viver mais anos e consigam emprestar aos nossos filhos e às gerações vindouras uma outra visão acerca da alimentação, do que devemos ou não consumir para preservar a nossa saúde e dos hábitos e regras a que devemos prestar atenção para cuidarmos da melhor forma do nosso corpo e da nossa mente. Se conseguirmos educar a sociedade para novos comportamentos mostrando por que razão devemos tomar determinadas opções, explicando os perigos e as vantagens mas acima de tudo sensibilizando os mais novos para as consequências de seguirmos determinados caminhos, mais perto estaremos de conseguir interiorizar novos padrões comportamentais que nos conduzam a um estilo de vida mais regrado.

Tudo isto me parece perfeitamente normal e lógico. O que não consigo entender não é o conteúdo, é a forma que vai sendo determinada para impor esses mesmos hábitos. Parece que por vezes alguns se esquecem do que conquistámos no 25 de Abril, a possibilidade de escolha, a liberdade para tomarmos as nossas próprias decisões e de seguirmos as nossas vontades. Não quero de todo com isto obrigar as pessoas que não fumam a levar com o fumo dos fumadores. O que me parece sensato é que exista espaço para todos e que cada um possa optar por aquilo que lhe pareça mais correto mediante as suas crenças, gostos ou vontades. Não consigo perceber porque é que o proprietário de um estabelecimento que paga os seus impostos não pode optar de livre vontade por ser um espaço para fumadores ou não. Ninguém é obrigado a frequentar, cada um pode optar por ir a outro sítio onde se sinta mais confortável, mas deixar essa decisão no Estado e ser ele a decidir o que podemos ou não fazer parece-me um contrassenso.

A mim não me incomoda absolutamente nada que existam pessoas que optem por deixar de comer carnes e enchidos, que retirem das suas mesas o sal, o açúcar e tudo o que acham que lhes pode fazer mal, como não me faz confusão nenhuma que apareçam espaços onde esse tipo de produtos não entrem na ementa. Acho que devem existir alternativas para todos os gostos e que cada um deve optar pelo que achar melhor para si. O que não me parece correto é continuarmos nesta escalada de imposição, das proibições, de deixarmos na mão de quem nos governa a possibilidade de decidir por nós, seja no tabaco ou em qualquer outro tema. As pessoas devem ser livres de tomar as suas próprias opções sabendo que arcam também com as consequências dos seus atos.