Crónicas

Todos os sonhos do mundo

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) nas primeiras linhas do poema Tabacaria assume ter “ (…) todos os sonhos do mundo ”. Quais guardadores de rebanhos são as crianças os verdadeiros depositários dos sonhos. Deles e nossos.

Diz-se que esta coisa de ser pai/mãe desperta uma sensibilidade própria que influencia a perspectiva que temos do mundo. E conseguimos ver noutras crianças as nossas – a mesma sequência de desenvolvimento, os padrões de comportamento, por exemplo. E agradecemos quando isso é só um exercício incómodo de imaginação – as nossas crianças não sofrem de facto com a guerra, não padecem de privação alimentar severa como vemos em África, não sofrem, à partida, de doenças que lhes roubam a infância.

É difícil não sentir que nos roubam também os sonhos quando morrem crianças inocentes às mãos de alguém doente ou quando episódios dos primeiros anos de vida vão marcar toda uma vida. Seja o ataque de um cão que deixará marcas físicas para sempre, um abuso sexual que estará sempre na cabeça da vítima ou uma doença que corta as asas a quem deveria poder voar.

Todos os sonhos do mundo existem numa realidade que limita a sua concretização mas que não deveria restringir a elementar construção onírica. Houve um louco chamado Pedro que já dizia que “somos feitos de sonhos e os sonhos são feitos de nós”.