Crónicas

Ataque ao «Regressar» - anatomia do golpe

O CDS, concertado com o PSD, quis criar mais um momento de propaganda. Percebeu-se isso quando um deputado do PSD se referiu ao projeto como sendo «o nosso projeto»

O programa Regressar é um programa desenhado pelo Governo da República e que visa apoiar emigrantes, descendentes e outros familiares, a regressarem a Portugal se assim o desejarem. Entre várias medidas, inclui um regime fiscal mais favorável para quem regressa, um apoio financeiro para emigrantes ou familiares de emigrantes que decidam trabalhar em Portugal e uma linha de crédito para apoiar a criação de novos negócios.

Desde há um ano que, por razões meramente eleitoralistas, o PSD-Madeira quis transformar o «Regressar» num alvo político-partidário, na sua constante fabricação de meias-verdades para bem enganar as pessoas mais incautas. Desta vez, a intentona veio do lado do CDS-Madeira, que apresentou um projeto de resolução na ALRAM que pede a declaração de inconstitucionalidade de uma das medidas do Regressar, a medida de apoio financeiro a quem queira regressar para trabalhar, por estar circunscrita ao território continental.

Ora, isto acontece por dois motivos: porque as políticas de emprego estão regionalizadas e porque a entidade responsável pela sua implementação é o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP), cujo âmbito de ação está circunscrito ao território continental – e sublinho que o IEFP não teve um acréscimo de verbas, por parte do Orçamento de Estado, para a implementação desta medida.

Neste pedido de inconstitucionalidade, o CDS finge que não sabe que as políticas de emprego estão regionalizadas – por essa razão o Governo Regional tutela um instituto congénere do IEFP, que é o Instituto de Emprego da Madeira, para o qual são consignadas verbas do Orçamento do Estado para o desenvolvimento de medidas de apoio ao emprego. Cabe, portanto, ao Governo Regional e ao Instituto de Emprego da Madeira decidir de que forma serão usadas essas verbas. Por exemplo, o orçamento de Estado que está em discussão tem um reforço de mais 500 mil euros para políticas de emprego na RAM. Como tal, tem sido uma opção política do Governo Regional não desenvolver uma medida especifica para as comunidades que regressam à Região. Isto foi publicamente admitido pelo Diretor Regional das Comunidades e Cooperação Externa, Rui Abreu que, em fevereiro de 2021 e a propósito desta medida do programa Regressar afirmou que a Região tem os seus próprios programas de apoio e que, nesta lógica, «não se pode aplicar diretamente um programa criado pelo Governo da República, nesta área e nesta matéria diretamente aplicada à Região. Porque esta é uma matéria já regionalizada.»

Portanto, e usando palavras do CDS, quem tornou os e as portuguesas da diáspora a residir na RAM portugueses/as de segunda foi o Governo Regional ao tomar a opção política de não desenvolver, ao nível do Instituto de Emprego da Madeira, uma medida de emprego especifica para quem regressa à Região. Uma decisão política legítima. Mas há que ter a honradez de a assumir e não, como têm feito o PSD e o CDS, tentar imputar responsabilidades a quem não a tem.

Este projeto do CDS – e as anteriores iniciativas engendradas pelo PSD – demonstra que, a estes partidos (e aos seus representantes), não move o que é melhor para as pessoas que regressam. Importa, tão somente, lançar uma, ou duas, ou três cortinas de fumo, mesmo que isso implique ludibriar quem juraram defender. Ainda hoje tentam fingir que o Regressar não beneficiou ninguém na Região. O que é mentira. Há emigrantes e lusodescendentes que regressaram à Madeira e conseguiram criar o seu negócio recorrendo às verbas disponibilizadas pela linha de crédito do programa «Regressar». Não o fizeram porque as estruturas do Governo Regional as tenham informado dos seus direitos, mas porque foram informadas pelas instituições bancárias. Pelas estruturas governamentais regionais – e pelas estruturas que dizem controlar as estruturas governamentais regionais – a informação é sonegada e substituída por uma propaganda «whatssapiana» que louva o que não existe e vilipendia o que há. E lembro que foi a Secretária da Inclusão que admitiu, no último debate mensal, que não existe nenhuma medida específica do Governo Regional para apoio a quem regressa como tantas vezes é repetido pelo PSD.

No meio de tudo isto, as pessoas visadas resolvem os seus problemas? Claro que não, mas não é isso que interessa a quem tudo e toda a gente quer controlar.

O CDS, concertado com o PSD, quis criar mais um momento de propaganda. Percebeu-se isso quando um deputado do PSD se referiu ao projeto como sendo «o nosso projeto».

A verdade é que este pedido de inconstitucionalidade poderia ter sido feito diretamente ao Tribunal Constitucional, sem passar pelo plenário da Assembleia. Também é verdade que, neste momento, o CDS, sozinho, não tem o número de deputados suficiente para poder requerer a declaração de inconstitucionalidade; mas podia tê-lo feito juntamente com o grupo parlamentar do PSD, com quem mantém uma relação umbilical, ou se o próprio Presidente da Assembleia tivesse decidido fazê-lo (e lembro que foi eleito pelo CDS). Mas se o fizessem dessa forma, aí perder-se-ia a espetacularidade propagandística de se discutir em plenário e com isso fazer várias notícias com uma possibilidade que sabem ser impossível: o Tribunal Constitucional não lhes vai fazer a vontade. E por vários motivos. Mas o que me parece mais forte é o facto de não bastar dizer que a medida exclui as Regiões Autónomas quando existe uma entidade regional com competências em matéria de políticas de emprego: aliás, seria uma violação da autonomia regional atribuir ao IEFP competências que pertencem ao Instituto de Emprego da Madeira.

O CDS e o PSD sabem que o Tribunal Constitucional não decidirá a favor das suas pretensões, e por isso o PSD já argumentou que Tribunal Constitucional não gosta da Madeira. Mas a questão é mesmo outra: é que o Tribunal Constitucional não deixa passar chico-espertices.

Certo é que, em vez desta proposta mal-amanhada, teria sido mais sério e francamente mais útil discutir-se uma proposta de adaptação da medida de apoio a quem regressa à Região. Mas também é verdade que isso já foi feito, por proposta do PS-Madeira, a meados de 2021, e infelizmente chumbada pela maioria PSD/CDS. Isso é que seria servir e honrar a Autonomia com os instrumentos de que dispomos!