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Indecências

Em tempos não muito idos, muito se discutia a constitucionalidade de uma série de medidas tomadas, sempre no pressuposto da defesa do princípio de que somos todos iguais aos olhos da Lei.

Não sendo jurista, não me sinto minimamente capacitado para discutir a questão desse ponto de vista mas, como cidadão, não posso deixar de estranhar como, de repente, passou a ser normal tratar o que devia ser igual de forma diferente e de como, mudando-se os beneficiários das medidas, já nada merecer contestação.

Horas de trabalho semanais, por exemplo. Porque é que num sector se estabelece o limite máximo das 35 e, no outro, das 40? Será que é porque no privado se produz menos, logo precisamos de mais tempo para executar as mesmas tarefas? E porque é que tanto se luta e se fala nisto – os sindicatos, sempre na perspectiva de que são muitas, essas horas de trabalho - quando uma percentagem significativa destes trabalhadores depois faz part-times noutros lados?

A propósito de part-times e a título de exemplo, recordo a minha única ida a Tribunal, encontrando como advogado da outra parte um senhor jurista da Segurança Social, que lá estava não nessa qualidade embora o julgamento decorresse em horário de trabalho. Devia ter isenção, neste caso até de ética mas isso é conversa para outro dia que não vou gastar caracteres nem com o tema, nem com o indivíduo.

O que dizer, também, da decisão de dispensa dos funcionários públicos nos dias 23 e 30 de Dezembro a que se junta, aqui no burgo, o feriado da 1.ª oitava, que ninguém sabe sequer o que é? E de mais um dia de dispensa, à escolha durante este período, como pelos vistos alguns serviços implementaram?

Numa altura em que as dificuldades de contratação são imensas, em que andamos todos, no sector privado, a lutar por conseguir encontrar os recursos de que necessitamos, alguém pode entender esta benesse?

Acho a medida um ultraje, uma falta de respeito, num sector que tem muita mas mesmo muita gente válida e capaz mas que se acomodou, enredada em princípios de avaliação tontos, sem verdadeiros prémios aos mais capazes, que em contrapartida dá aos seus empregos para a vida (porque mesmo o maior dos inúteis não pode ser despedido), feriados de São Rali e subsídios de insularidade. E que, por isso, é preferido!

Como podemos, nós sector privado, ser atractivos neste ambiente de concorrência distorcida, que ainda por cima é pago com dinheiro dos nossos impostos? O senhor governo dá o que o senhor governo tira pelo que, no mínimo, tenham noção das consequências das decisões populistas que tomam!

Tudo isto deve ser legal, constitucional e cumprir com tudo o que está estabelecido. Mas também é, não tenho qualquer dúvida, absolutamente indecente.