Crónicas

Biden, as trotinetes, a Web Summit e o Sr. Gonçalves

Porque pensam eles de determinada forma e porque assumem diferentes posições (...)?

1. A maneira como vemos o mundo aos nossos olhos, segundo os nossos valores e formas de vida deve ser sempre acompanhada por um conhecimento do que se passa noutras latitudes. Porque pensam eles de determinada forma e porque assumem diferentes posições que à primeira vista nos podem parecer absurdas? É por isso fundamental largarmos os ângulos muitas vezes estreitos e enviesados e conseguirmos analisar segundo uma panorâmica abrangente que abarque diversas sensibilidades e contextos históricos ou contemporâneos. O caso do Irão é digno de estudo pelas transformações que sofreu no século XXI e que muitas vezes observamos pela rama. Se para o ocidente o paralelo zero da civilização iraniana situa-se no ano de 1979 com a destituição do Xá Mohammad Reza, ano da revolução que instituiu no país uma república islâmica teocrática sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini, abandonando de vez os valores ocidentais e adoptando uma cultura muito própria para os cidadãos locais, o marco deu-se muito antes quando se orquestrou o Golpe de Estado de 1953 ou Operação Ajax com o derrube do governo do primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh em 19 de agosto de 1953, pensado e executado pelas agências de inteligência do Reino Unido e Estados Unidos sob o nome de Projeto TPAJAX.

O ódio, sentimento que se criou nessa altura em relação aos americanos e que teve um exemplo paradigmático na invasão da embaixada Norte Americana e sequestro dos seus diplomatas, deve ser entendido não só à luz das nossas lanternas mas entendendo as reivindicações de um povo que via uma grande dicotomia entre os mais pobres e uma elite corrupta e sobejamente abastada. Se mudaram para melhor? Aos nossos olhos e das mulheres que todos os dias sofrem com um regime que as oprime e as castra, claramente que não. Mas na verdade devemos perceber um pouco da historia e da geopolítica internacional e estudá-la para que não se cometam os mesmos erros do passado. Joe Biden, por exemplo, parece entender pouco ou nada sobre o assunto e acaba de cometer mais um erro que pode vir a ser histórico. Quando a sociedade iraniana se vê a contas com uma autêntica revolução, ditada pelas mulheres e pelos defensores da liberdade que tem levado o caos à muito afastado das ruas numa verdadeira prova de coragem de uma população que não tem propriamente os mesmos direitos que nós, o que faz o presidente americano? Diz que os vai ajudar libertar, dando assim instrumentos mais do que óbvios para o governo daquele país imputar no ocidente as culpas de tal revolução e de assim mais uma vez manipular a população. Já não bastava a saída dramática do Afeganistão, Biden vem agora dar mais uma demonstração de falta de sensibilidade ou mesmo de conhecimento em matérias tão sensíveis e importantes.

1. As trotinetes começam a chegar aos poucos ao Funchal. É bom por isso estarmos bem cientes do que se está a passar em Lisboa para que nos possamos precaver por cá e tomar as medidas necessárias antes que os mesmos problemas nos caiam nas mãos. Lisboa é hoje em dia, para se ter noção da dimensão, uma cidade com 3 vezes mais trotinetes que Madrid, sem qualquer legislação ou regras, tornando-se um caos absoluto. Crianças de 11 e 12 anos a conduzirem duas a duas, entradas sucessivas em contramão nas estradas, falta de material protetor nem tão pouco refletores para a noite, passam por passeios e deixam-se ao Deus dará em passadeiras e esquinas onde muitas vezes pessoas com deficiência visual tropeçam. Já por várias vezes vi, em Campo de Ourique, idosos estatelados no chão a sangrar por terem sido atropelados em pleno passeio por alguns incautos para quem vale tudo. Ultrapassam pela direita e pela esquerda, fazem rotundas ao contrário, conduzem bêbados sem limite de idade e nada lhes acontece. Quer dizer acontece, alguns também vão ao chão e sofrem acidentes mas até aí, uma vez que não têm necessidade de ter um seguro, ficam contas por pagar e prejuízos para os mesmos de sempre. A ter em atenção, urgentemente.

1. Mais um ano de Web Summit onde vimos a Cristina Ferreira a ensinar-nos a conjugar o verbo inglês To Be, um Marcelo Rebelo de Sousa muito entusiasmado com o palco e um desfilar e pavonear de diversos atores políticos da nossa praça. Real produtividade, resultados destes anos todos, consequências do que tem sido feito? Zero. Vamos libertando milhões num espetáculo de variedades organizado por um estrangeiro, se fosse português dificilmente teria semelhantes apoios e agora que lhes demos gás, notoriedade e reputação já estão anunciados novos eventos para o Brasil, Ásia etc. Veremos o que daí irá resultar enquanto nos vamos debruçando sobre tamanhas conquistas e heróis. Portugal precisa de facto de apostar em tecnologia, nas start ups e nos que por cá produzem talento e se querem afirmar, o tempo dirá se a canalização de todo este investimento num só evento é a melhor forma de o fazer.

1. Queria dar uma nota final pessoal, porque acho que a vida são pessoas, as relações que construímos e as memórias que ficam dos momentos que passamos. Soube recentemente que o Sr. Gonçalves que tinha o restaurante com o mesmo nome em Machico se reformou. Fica a minha homenagem, não pela forma como me tratava por Dr., que sempre fazia questão de fazer contra a minha vontade e em jeito de provocação, mas sim pela simpatia com que sempre me recebeu, pela excelência da comida e pela arte de bem receber e servir. É uma pena que se percam estes bons exemplos, da pessoa que tinha sempre uma piada ou uma história para contar, que passava pelas mesas para nos sentirmos em casa. Sempre foi assim que me senti no Gonçalves. Um abraço e obrigado por tudo!