Crónicas

Começar antes de estar pronto

Quando em causa está, não só o nosso destino mas também o dos que nos rodeiam não devemos ser irresponsáveis

Uma das maiores duvidas existenciais que nos acompanha ao longo de toda a nossa vida, tem a ver com os timings em que fazemos certas coisas ou tomamos algumas decisões. Isto vale para todos. Uns são mais expeditos, outros mais cautelosos ou calculistas mas regra geral temos sempre a ideia ou o receio de não estarmos prontos para um certo tipo de empreitada ou para nos jogarmos para compromissos ou aventuras. Quantas vezes nos perguntamos se já estamos prontos para ser pais? Se estamos preparados para abrir aquela empresa, para fazer este ou aquele negócio? Para terminar aquela relação tóxica, fazermos determinada viagem, cumprirmos sonhos e objectivos? Nós na realidade, se fizermos uma reflexão acerca do que estamos ou não preparados para fazer, facilmente chegaremos à conclusão que estamos prontos para muito pouco e que se não nos lançarmos ao desconhecido e tivermos a capacidade para saber lidar com as situações, com vontade de encarar novos desafios, muitas vezes deixamos passar o tempo e nada acontece. Até mesmo no nosso percurso universitário, quantos é que terminaram o curso e se sentiam preparados para o mercado de trabalho?

É obvio que a tomada de certo tipo de atitudes merece sempre uma dose qb de ponderação, avaliação de risco, das opções e talvez até de probabilidades mas à medida que o tempo vai passando, essa cruel fatalidade que se esgota a cada instante e não é recuperável vamos percebendo que em determinado momento podíamos ter sido mais agressivos, quiçá mais arrojados, ou menos pensativos. Quando em causa está, não só o nosso destino mas também o dos que nos rodeiam não devemos ser irresponsáveis, o que não quer dizer que tenhamos que controlar todas as variáveis, até elas se nos depararem. A vida é isso mesmo, uma constante aprendizagem, uma aventura carregada de imprevistos, de situações inesperadas, surpresas boas e más, de infortúnios e de descobertas. Se não nos chegarmos à frente, se nunca sairmos da nossa zona de conforto, se não tivermos a ousadia de seguir os nossos sonhos, a nossa intuição, os nosso instintos e os nossos sentimentos também nunca conseguiremos destrinçar o certo do errado, os nossos limites o que perdemos ou o que acabámos por ganhar.

Não precisamos de um coach nem de programação neuro-linguistica para entender que essa é uma das grandes interrogações que permanecem permanentemente dentro de nós. Até porque como dizia o grande Jorge Palma, “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar” e independentemente dos resultados “quem ganhou, ganhou e usou-se disso e quem perdeu há-de ter, mais cartas para dar”. É o tempo que nos conduz mas é o que fazemos com ele que nos identifica. Não quero com este texto incitar as pessoas a tomarem decisões antes do tempo, nem tão pouco precipitadas, falo de começar antes de estar pronto, antes de achamos que estamos no ponto. Falo por exemplo de estarmos sempre à espera de termos uma condição financeira mais estável para termos filhos, de estamos sempre à procura de uma melhor oportunidade para dizermos o que queremos ou o que sentimos, de nos anularmos permanentemente à procura da altura certa, que acaba por nunca vir e por isso acabamos por nunca saber como seria ou por nunca concretizarmos algumas ambições.

Termos a capacidade de começar antes de estarmos prontos, ultrapassando as inseguranças que todos temos, sim todos temos, ainda que uns mais outros menos, é uma das formas mais mágicas e apaixonantes de construirmos momentos e a nossa própria história. A sociedade infelizmente com a ajuda das redes sociais vai-nos encarrilando para uma necessidade de perfeição, de diabolização do erro, da experiência e da aprendizagem através da prática e somos nós, com os nossos sonhos, com as nossas motivações, os nossos objectivos e ambições que temos que desconstruir esses receios e de nos permitirmos a conquistar o que queremos. Eu recordo-me que quando era mais novo e fazia umas festas, comecei também a passar música nas mesmas porque embora não soubesse misturar, sabia perfeitamente o que os meus amigos queriam ouvir. Tecnicamente era imperfeito mas a emoção estava lá toda e passava para fora, de tal forma que as deficiências técnicas não se notavam ou passavam para segundo plano. Um conhecido agente de djs da nossa praça, decidiu assim contratar-me para fazer a primeira parte dum espetáculo do Dj Bob Sinclar na praia de Carcavelos. Disse-me que quando começasse a tocar deviam estar “só” 3 ou 4 mil pessoas e que por isso não tinha que estar nervoso. Aceitei o repto sem estar minimamente pronto para tal mas tinha a magia de gostar muito do que fazia. Quando comecei a tocar estavam de facto à volta de 3 mil mas foram chegando pessoas de todos os lados e a meio já estavam, segundo os dados da polícia perto de 100 mil pessoas. Em vez de ficar nervoso interiorizei que seria uma experiência única, passar som para tanta gente. Assim foi e correu bem. Se podia ter corrido mal? Podia. Podia ter parado uma música a meio ou ter-me atrapalhado entre uma e outra. E então? O meu arrojo sem estar pronto e o meu atrevimento deu-me uma experiência inesquecível que vou guardar para toda a vida. Isto para dizer que quando começamos quase nunca estamos prontos, a nossa força mental, a capacidade de nos superarmos e de nos desafiarmos permanentemente permite-nos ir mais longe.