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#oTorgaéquesabe

“O país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão.

Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados.” – Miguel Torga

A grande maioria provavelmente achará que isto que vou escrever já não é tema. Para mim, terá sempre de ser lembrado como exemplo de falta de verdade entre aquilo que se diz e o que depois se faz. E eu acho que devo pacificamente revoltar-me, nem que seja porque interiormente essa revolta é imensa perante estes dados agora trazidos pelo Tribunal de Contas.

A execução financeira do plano de apoio à economia anunciado pelo Governo da República teve um quase imperceptível “desviozeco” de 84% face ao orçamentado. 84%! Facilitando a vida aos que têm mais dificuldade na matemática, isto significa que a execução das ajudas, aquelas que efectivamente nos chegaram, se ficou pelos 16%.

E a aldrabice (assumo por inteiro a adjectivação!) não se ficou por aqui! Destes 16% executados, 82,6% disseram respeito a linhas de crédito com garantia pública, que já estamos a pagar, claro.

Não bastava o facto de os anúncios, quando comparados com as medidas levadas a cabo noutros países da EU, colocarem Portugal como dos países que menos apoiou as empresas que, por decisão destes “propagandeiros”, ficaram impedidas de trabalhar. Será certamente mais um detalhe…

Por cá, o cenário não terá sido diferente, com a excepção das linhas regionais, que previam conversão a fundo perdido cumpridos determinados requisitos. Mas é bom que se perceba que, em média, estas linhas representaram menos de 20% dos créditos que fomos forçados a protocolar para conseguir sobreviver sem receitas.

Respaldados pelas reuniões mantidas com os grandes grupos, que pelos vistos representaram nesta altura o sector, só mesmo um maledicente poderia queixar-se. Como está bom de se ver…

Agora, entretêm-nos com notícias sobre recordes. E prémios! Recordo os menos atentos que, em 2019, a oferta cresceu quase 20%; mal seria que com o maior número de camas de sempre não conseguíssemos ter o maior volume de receitas de sempre. E apesar de me restarem poucos caracteres, relembro os recordes na componente dos custos; todos sem excepção subiram vertiginosamente, em 2022!

O discurso vigente, entretanto, não mudou. O Sr. Ministro da Economia anunciou 50 milhões de euros de apoios para o sector do Turismo. Mas quando será que vão perceber que, num primeiro caso, não nos deviam apoios mas sim indemnizações e agora o que necessitamos também não é de subsídios mas de uma efectiva e urgente reforma fiscal que reduza a obscenidade do que pagamos, incluindo contribuições?

Vou esperar sentado. E ler Torga, que é bem melhor do que esta ficção política que nos enfiam pela goela abaixo, que nos embala neste pacifismo revoltante…