Artigos

Uma União mais autónoma, mas solidária

“Todo um continente se ergueu em solidariedade… os europeus nem se esconderam nem hesitaram”

Este foi o mote de apresentação de um extenso programa de trabalho da Comissão Europeia para 2023. Ursula von der Leyen já o tinha proferido no seu discurso último sobre o Estado da União, pelo que a leitura deve fazer-se no reforço e reafirmação de uma Europa mais resiliente e melhor preparada face a desafios idênticos aos dos últimos anos.

Após uma crise pandémica, a recente invasão da Rússia à Ucrânia, e a presente crise económica, a União tem de criar programas e medidas robustas que garantam um caminho para maior autonomia energética, maior solidez financeira e maior resiliência, sendo que para atingir estes pressupostos é fundamental que nunca abandone a sua matriz identitária, o princípio da solidariedade, até aqui garante de unidade entre Estados Membros.

Em 2023, em cima da mesa das negociações, serão colocadas 37 novas propostas legislativas, em grande parte sobre matéria ambiental e transição digital. Teremos, pois, a oportunidade de trabalhar na reestruturação do mercado comum da energia, com a apresentação de propostas sobre o mercado da eletricidade e a criação do banco de hidrogénio. Proposta esta que a meu ver peca já por tardia, quando adiada para o terceiro trimestre do próximo ano.

Como a transformação digital deve promover e auxiliar a sustentabilidade ambiental, não estando as duas transições dissociadas, destaco os objetivos para o digital, em particular nos transportes, um setor de relevância para Portugal e demasiado importante para as Regiões Ultraperiféricas como a Madeira e os Açores.

A Comissão apresentará um novo pacote de mobilidade, com propostas sobre o Espaço Comum de Dados - oportunidades a merecer a nossa melhor atenção! – bem como um quadro regulamentar para o Hyperloop, o “comboio supersónico” para transporte de mercadorias. Se é verdade que a União promove o uso do comboio para a circulação sustentável de passageiros e mercadorias, não menos verdade é que procura também assegurar esta transição em todos os modos de transporte.

Ainda que com uma década de atraso, a Comissão irá avançar agora com a revisão do Regulamento de slots Aeroportuários com o objetivo de garantir o uso eficiente e competitivo da capacidade dos aeroportos europeus, evitando repetições do caos a que assistimos este verão e pondo fim aos disfuncionais “voos fantasma”, garantindo melhor equilíbrio ao mercado interno.

A Comissão quer igualmente garantir a resiliência do tecido empresarial europeu, pelo que irá avançar com um pacote de medidas de auxílio às PME, nomeadamente através da revisão da Diretiva de Atrasos de Pagamento, essencial para que as empresas consigam lidar com um problema que as prejudica muito, sobretudo às de menor dimensão.

Não obstante, para além de um ambiente de negócios favorável, a União necessita urgentemente de recursos humanos qualificados, com competências adequadas e à altura dos novos desafios, suprindo assim uma lacuna no mercado de trabalho, num período pós-pandémico e perante uma população extremamente envelhecida.

É, pois, com satisfação que sublinho a decisão de 2023 ser o Ano Europeu das Competências. Destaco a criação de uma Academia de Competências em matéria de cibersegurança e o compromisso de um novo quadro regulamentar para o reconhecimento das qualificações de nacionais de países terceiros, importante para uma integração mais célere de imigrantes, o que permitirá dotar setores chave da economia europeia de mão de obra especializada, crucial para países como Portugal e em indústrias fundamentais para nós, como o Turismo e a Aviação.

Contudo, diria que ao programa faltam medidas robustas de apoio às famílias, de combate à pobreza e à exclusão social, antevendo os difíceis anos que se avizinham, ao mesmo tempo que urge implementar uma Política de Natalidade que possa regenerar a médio e longo prazo esta Europa demograficamente envelhecida.

Estamos perante um programa exigente, tendo em consideração o atual contexto em que vivemos. Haja coragem política de implementá-lo. Tornar a União mais autónoma e resiliente é o desígnio que nos convoca a todos em 2023.